quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Morreu TELÊMACO NEVES


Por José do Carmo Barbosa  
 

Crônica escrita e apresentada ao microfone da ZYI-7 (Rádio São João del-Rei, "a rádio da nossa história") pelo locutor José do Carmo Barbosa ¹

A morte do maestro desferiu na tradicional Orquestra RIBEIRO BASTOS mais um profundo golpe, mais profundo mesmo, nas suas características, que aquele cujas cicatrizes ainda persistem a morte do maestro JOÃO PEQUENO. 

Desapareceram, assim, dois grandes vultos da música sanjoanense. Duas colunas mestras do grande edifício, duas colunas onde se assentava o magnífico conjunto orquestral de renome fora das nossas fronteiras e que de maneira admirável vem resistindo à ação destruidora de uma época de indiferentismo, de uma época prosaica e materializada. 

Um desapareceu lentamente, como uma sonata, cujos últimos acordes perdem-se suavemente no espaço misterioso e infinito. João Pequeno desapareceu depois de dar a essa orquestra as energias de sua mocidade, dirigindo-a e nela atuando como seguro violinista e tenor de raras qualidades. Como chefe prudente, que vê aproximar-se o fim de seu comando, transfere-o ao seu auxiliar imediato, e sentiu-se satisfeito. 

TELÊMACO VICTOR NEVES ² recebeu de João Pequeno o comando da Ribeiro Bastos, e como soldado que serviu às ordens de seu grande e experimentado comandante, honrou e dignificou o legado de seu superior. 

Se bem, atribuamos a morte do maestro Telêmaco Victor Neves aos altos desígnios da Providência, para nós ela explodiu como meteoro em tarde azul de primavera. A notícia de sua moléstia súbita surpreendeu-nos. A sua morte imediata produziu em nós o vácuo semelhante, nos seus efeitos, a grandes explosões. 

Um desapareceu tranquilo, calmo porque chegou feliz ao fim da meta. O outro desaparece quando mal havia iniciado a etapa à qual se devotara com denodo e afinco. 

Avalio, e posso mesmo sentir as agruras e torturas da sua agonia, se Deus misericordioso não o privou de suas faculdades perceptivas nos últimos instantes de sua vida. 

Elevado tão justamente ao extremo da maior alegria qual a de saber um filho seu dignificado pelo sacerdócio, não lhe permitiu o Supremo Criador, esperasse ele na terra dia tão feliz. Morreu com o pensamento neste filho distante. Sua alma, prestes a dar entrada na eterna mansão, ajoelhava-se, por certo, na sua última prece. 

Não é pelos bens materiais, nem pelos bens de fortuna, que o homem se projeta e se fixa no cenário da vida. As virtudes são que enobrecem e perpetuam nas gentes a lembrança dos que partem. 

O maestro Telêmaco Victor Neves impôs-se aos seus concidadãos pela retidão de seu caráter, pela inteireza de seus atos e pela simplicidade e bonança de seu coração. 

Funcionário público, nem um mais zeloso e compenetrado de seus deveres, substituindo, com não menos eficiência, José Vicente na direção da Biblioteca Municipal. 

Telêmaco Victor Neves (12/04/1898-24/06/1950)
  

CHEFE DE FAMÍLIA, soube e procurou cumprir os deveres de pai cristão, criando e educando numerosa prole dentro dos sãos princípios de honradez e honestidade.  

CIDADÃO, evidencia-nos sua vida pública. 

MESTRE, sobressaiu-se pela energia sem autoritarismo aliada à noção de responsabilidade que aceitava no desempenho da árdua e ingrata missão de ensinar. 

MAESTRO. Poderia para muitos não ser uma revelação como condutor exímio, mas nenhum houve que o sobrepujasse no amor, na dedicação, no carinho, no zelo, no trabalho pela Orquestra Ribeiro Bastos, qualidades sem as quais fracassariam mesmo os maiores condutores. 

Correndo a cortina do grande palco, assinala-se o entreato da grande sinfonia. Deu-se um stacatto brusco da orquestra. Não houve o interlúdio sentimental. Este, substituiu-se por pesado e funéreo silêncio. A mão do Regente Supremo da orquestra da vida fez baixar para sempre o braço que empunhava a batuta. 

Fonte: O Correio, São João del-Rei, edição de 2 de julho de 1950, Ano XXIII, nº 2.378. (Obs.: Na ocasião, o diretor do jornal era Tancredo de Almeida Neves)


Crédito pela cessão: D. Elza Rosa Neves Lombello, filha do Maestro Telêmaco Neves


II. NOTA EXPLICATIVA DE FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS BRAGA



¹  José do Carmo Barbosa foi farmacêutico e sócio do Sr. Silvano Carneiro (proprietários da farmácia de manipulação e de atendimento "Ouro Preto", localizada próximo aos "Quatro Cantos"), locutor e diretor da ZYI-7 Rádio São João del-Rei, secretário do C.A.C.-Centro Artístico e Cultural, além de secretário geral e professor do Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier.
Foi paraninfo da turma de diplomandos do ano de 1966 no referido Conservatório, constituída pelos seguintes formandos: Maria Helena Machado (Curso de Professor de Música), Salete Maria da Silva Bini (Curso de Canto), Anizabel Nunes Rodrigues (Curso de Flauta), Maria Salomé de Moraes Silva (Curso de Piano) e Sadik Haddad (Curso de Clarineta).
Nos programas de auditório dirigidos pelo inesquecível Jeú Torga (Jehudiel Torga), José do Carmo Barbosa era um coadjuvante indispensável, por sua capacidade inigualável como preparador de texto.
Inesquecível deve soar ainda para muitos de nós são-joanenses a voz daquele grande locutor, contando as lendas de nossa terra em transmissão radiofônica. 
É autor de outra crônica envolvente, publicada no Blog de São João del-Rei em 11/12/2014, intitulada "Uma cidade vive há 2 séculos mergulhada nas ondas musicais", publicada originalmente no Correio da Manhã, Ano LX, nº 20740, na edição de 4 de novembro de 1960, que pode ser lida no link abaixo:
 
Conservatório Estadual de Música Pe. José Maria Xavier por volta de 1965. 
Na primeira fila, da esq. p/ dir.: Profªs Maria Stella Neves Valle, Jânice Mendonça de Almeida, Mercês Bini Couto, Rita Nascimento (func.); na segunda fila: Profs. João Américo, Joaquim Laurindo, Maria Auxiliadora Lelis, Maria Salomé de Moraes Silva, Sargento Almeida; na terceira fila: Emílio Viegas, José do Carmo Barbosa (secretário), Jorge Chala Sade; na última fila: Joaquim da Rocha, Sílvio Padilha (diretor) e Geraldo Ivon da Silva ("Patusca")

 
 
²  O Blog do Braga publicou em 23/10/2021 o artigo "Maestro são-joanense Telêmaco Victor Neves na pauta da Câmara dos Deputados", ocasião em que era comemorado o centenário de nascimento do Maestro homenageado.

11 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de compartilhar com o leitor do Blog de São João del-Rei a refinada crônica do locutor JOSÉ DO CARMO BARBOSA, intitulada Morreu TELÊMACO NEVES, que, no ano de 1950, presenteou os ouvintes da ZYI-7 Rádio São João del-Rei com a sua leitura. Certamente, essa crônica, lida como foi, causou profunda comoção nos ouvintes daquele tempo em que o rádio era o grande difusor de notícias e veículo de comunicação cultural e de entretenimento. Tanto deve ter sido assim, pois, a seguir, mereceu a sua publicação em 1ª página do jornal são-joanense, O CORREIO, cujo diretor era ninguém menos do que Tancredo de Almeida Neves.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/10/morreu-telemaco-neves.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Bom dia, estimado amigo. Espero, e desejo muito, que esteja de boa saúde assim como os seus familiares, amigos mais chegados e e colaboradores. Condolências à Família e Paz à sua alma. Boa semana, na medida do possível. Muito obrigado. Abraços Diamantino

Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008) disse...

Merece mesmo a lembrança e ser relida!
Heitor

Mario Pellegrini Cupello - Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Pres. do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro da Academia Valenciana de Letras disse...

Caro amigo Braga
Esta crônica, cuja leitura apreciamos, em certos trechos chega a ter um toque de sensibilidade poética e até mesmo filosófica.
Chamou-nos, entre seus belos escritos, a atenção para este trecho:
“Não é pelos bens materiais, nem pelos bens de fortuna, que o homem se projeta e se fixa no cenário da vida. As virtudes são que enobrecem e perpetuam nas gentes a lembrança dos que partem.”
Que Deus tenha em Sua Glória, a alma do Professor e Maestro Telêmaco Neves.
Agradecemos pelo envio.
Abraços, dos amigos
Mario e Beth Mario e Beth

Dr. Geraldo Reis disse...

Obrigado por nós trazer essa relíquia. A história de nossos antepassados. Vamos dizer: assim é que a história mais recente de nossos antepassados vai sendo preservada. A história com H merece mesmo ser contada. (Geraldo Reis: O SER SENSÍVEL).

Prof. Dr. José Maurício de Carvalho (professor universitário emérito de Filosofia, coordenador de colóquios de Filosofia, escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Obrigado, Mauricio.

Prof. José Lourenço Parreira (capitão do Exército da arma de Artilharia, professor de música, violinista, maestro, historiador e escritor, além de redator do "Evangelho Quotidiano") disse...

Meus queridos amigos, Rute e Francisco, paz!
Li, com profunda emoção, diria mesmo "ouvi" as sábias e eruditas palavras do Dr. Carmo Barbosa discorrendo sobre o Gigante Maestro Telêmaco Neves. Minha irmã, Luzia, violinista da Ribeiro Bastos, lembro-me bem, dizia que estava presente, em casa de Telêmaco na hora de seu transe final. O sino da Matriz fazia-se ouvir com tristes badaladas tocando "agonia". Dos olhos de Telêmaco corriam lágrimas... partiu!
Quanto a Carmo Barbosa, ele apresentava os alunos nos Recitais do Conservatório. Na minha primeira apresentação, toquei o Romance de A. Rubinstein. Ao piano a imortal Professora Mercês Bini Couto. Gravando, o Toninho (Antônio Ramos). Toquei de cor, Carmo Barbosa, Dona Mercês e Antônio Ramos me abraçaram. Fui para trás da cortina onde estavam os alunos que iam se apresentar. Todos, professores e alunos, me abraçavam. De repente, Dr. Carmo Barbosa foi para trás da cortina e falou: "Parreira, você vai ou não vai atender a plateia?" Respondi, sem pensar:"Vou, sim, senhor!" Aí é que percebi que eu saíra do palco, mas a plateia continuava batendo palmas! Longos minutos! Quando apareci no palco, todos ficaram de pé com ensurdecedor aplauso! Benigno estava na plateia, acompanhado de Geraldo Barbosa, Aluízio, Sr Osvaldo... Emílio Viegas ficou encantado! Meu professor era o saudoso Jorge Chala Sade. Meus queridos, o blog do Braga sempre me emociona e faz ir para São João del-Rei! Muito grato!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
Não fosse pela memória dessas duas pessoas, inclusive a do próprio locutor, também o desfrute de um belíssimo texto. Por fim, a oportunidade, nesta data, de homenagear a tão difamada categoria dos Servidores Públicos brasileiros.
Parabéns pela publicação. Grato,
Cupertino

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Que relíquia!

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Caro Francisco Braga,
Interessante conhecer Telêmaco Neves, extraordinária figura humana.
A morte súbita surpreende, impacta.
Abraço fraterno,
Raquel Naveira

anne disse...

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