quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

NAPOLEÃO BONAPARTE E MARIA WALEWSKA


Por Danilo Gomes

Maria Waleska, por François Gérard. Palácio de Versailles. Wimedia Commons


No livro A vida íntima de Napoleão, Arthur Lévy escreve, à pág. 107: 
“Recém-chegado à capital da Polônia, Napoleão devia encontrar a única mulher que, nas suas aventuras extraconjugais, lhe provocou um sentimento de amor verdadeiro. Ele conheceu em Varsóvia o único idílio de toda a sua vida. Foi somente aí que, pela primeira vez, Napoleão travou contato com as delícias de um amor verdadeiramente correspondido. Nem Josefina, como já vimos, nem Maria Luísa, como veremos dentro em pouco, tiveram para com o imperador a afeição profunda e sincera de Madame Walewska. (...) Ela tinha vinte e dois anos, era loura, de olhos azuis, e a pele de uma brancura sedutora. Madame Walewska não era alta, mas possuía um corpo de linhas perfeitas e de porte encantador. Uma leve aparência de melancolia, que transparecia em toda sua pessoa, tornava-a mais sedutora ainda. Recentemente casada com um nobre idoso, de temperamento de costumes extremamente rígidos, ela deu a Napoleão a impressão de ser uma mulher sacrificada, infeliz no casamento. Esta ideia fez crescer no imperador o interesse apaixonado que Madame Walewska lhe inspirou desde que ele a viu.”
Napoleão tinha 37 anos. A Polônia precisava de sua proteção. Varsóvia tomou conhecimento do romance. Desconfiada, Josefina queria ir a Varsóvia e o imperador lhe recomendava as muitas inconveniências da viagem. Autoridades polonesas e – dizem alguns historiadores – até o velho marido ranzinza estimularam Madame Walewska a se jogar nos braços do ardente petit caporal corso. Prossegue Arthur Lévy, à pág. 111: 
“O amor de Madame Walewska para com Bonaparte não se extinguiu. Além de dar-lhe a imensa alegria de torná-lo pai, ela nunca lhe causou o menor aborrecimento. Madame Walewska manteve-se na obscuridade durante toda a duração do reino imperial. Não a vemos reaparecer senão nos momentos de sofrimento, quando sente que seu amante tem necessidade de palavras consoladoras, já então batido pelos golpes dos reveses e decepções espantosos ! Vemo-la então dirigir-se para a ilha de Elba, para levar algum consolo ao exilado que rolara das alturas, sem prestígio e sem fortuna ! Esta figura de mulher constante, desinteressada, sensível à desgraça, paira como um anjo acima das deserções, das vilanias e das traições que vemos acumular de todos os lados quando se inicia o declínio da estrela de Napoleão.” (Tradução de Emil Farhat para a edição brasileira, Companhia Editora Nacional, 1943; a 1ª edição francesa é de 1893, Napoléon intime.)

Na ilha de Elba, Napoleão, exilado, esperou em vão pela imperatriz Maria Luísa e pelo filho, dito o Rei de Roma, mas a bela princesa austríaca já estava de amores com seu patrício, um militar, o conde de Neipperg, com quem mais tarde se casaria. 

O historiador Arthur Lévy vai adiante, à pág. 136: 

“No melancólico exílio da ilha de Elba, aos dolorosos golpes sofridos vem acrescentar-se a ansiedade de receber nenhuma manifestação de afeição da parte de Maria Luísa e nenhuma notícia de seu filho adorado. O único testemunho de lealdade que Bonaparte receberá, para lhe aliviar a alma desolada lhe é dado por Madame Waleswska. Esta mulher nobre e desinteressada sentiu a distância, as pulsações dolorosas do coração de seu antigo amante e levou-lhe, no dia 1º de setembro, o doce consolo de seu amor. Ela permaneceu três dias em Marciana, findos os quais Napoleão ficou novamente na sua triste solidão.”

 

Em Napoleão - uma biografia política, do americano Steven Englund, traduzido no Brasil por Maria Luíza X. de A. Borges para a Zahar, Rio, 2005, 630 páginas, vamos encontrar estes trechos sobre a apaixonante beldade polonesa: 
“Ela foi apresentada a Napoleão em janeiro de 1807 com o mais cru dos propósitos: encorajada por patriotas (entre os quais, talvez, o próprio marido), deveria seduzir Napoleão ‘para a Causa’. (...) Por fim, a ‘esposa polonesa’ (Maria Walewska) fez uma rápida visita à ilha com o filho.”
O filho de Napoleão Bonaparte e Maria Walewska, Alexandre, nascido em 1810, mais tarde ficou conhecido como o conde Walewski (sobrenome do velho e rabugento marido de Maria). Ele, Alexandre, desempenhou um importante papel no Segundo Império francês (1852- 1870). Constant, o camarista, amigo e confidente de Napoleão, registrou em suas memórias estas palavras da bela polonesa sobre o imperador: 
“Todos os meus pensamentos, toda minha inspiração vêm dele e a ele retornam; ele é toda minha felicidade, meu futuro, minha vida.” (Apud Steven Englund, ob. cit.)

 

Dizem os especialistas em Napoleão I que o principal biógrafo de Maria Walewska é Antoine-Philippe-Rodolphe d'Ornano, 4º conde d’Ornano, autor de Marie Walewska, l' épouse polonaise de Napoléon, obra traduzida para o francês em 1938, aparecida originalmente em inglês em 1935 com o título The life and loves of Marie Walewska.
 
Eis a narrativa de Paul Johnson: 
“Ao atravessar triunfalmente a Polônia no inverno de 1806, um grupo de jovens bem-nascidas , vestidas de camponesas, fez-lhe [a Napoleão] uma serenata em uma das paradas da carruagem. A beleza de uma delas o impressionou, e ele mandou buscá-la para ser trazida à sua presença. Era uma jovem de 18 anos, mulher do idoso conde Walewski e mãe de um menino. Não desejava tornar-se amante de Bonaparte, mas as autoridades polonesas, o marido e a família exerceram intensa pressão para que concordasse. Disseram-lhe que a independência da Polônia dependia de sua compreensão.”

 Não reproduzo as palavras que se seguem por muito fortes...

 São ainda do excelente biógrafo Paul Johnson estas palavras: 

“A condessa Maria Walewska, entretanto, não seria a beneficiária. Recebeu ordens de voltar ao marido e registrar o filho como sendo dele (o conde Alexandre Walewski chegou a ser ministro do Exterior de Napoleão III). Bonaparte disse a seu irmão Lucien: “Minha preferência teria sido dar uma coroa a minha amante, mas razões de Estado obrigam-me a aliar-me com soberanos.”
Cabe acrescentar que Alexandre lutou pela independência da Polônia.
 
E mais: Maria Walewska tornou-se amante do imperador por amor à Pátria e depois se apaixonou por ele. Foi visitá-lo quando ele, derrotado, estava exilado na ilha de Elba. Segundo alguns autores, ela ficou hospedada com a mãe dele: consta que o imperador não deu à visitante a devida atenção. Embora os biógrafos não deixem de insinuar que ela foi o grande amor do imperador.
 
No seu livro (de 780 páginas) Napoleão - o homem atrás do mito, Adam Zamoyski declara, à pág. 442: 
“Na noite anterior, num baile oferecido por Talleyrand em um dos palácios de Varsóvia, Napoleão dançou com uma jovem que viu numa recepção dez dias antes e estava encantado. O nome dela era Maria Walewska. Tinha vinte anos e era casada com um septuagenário, e, apesar de não amar o marido, tinha princípios sólidos e acreditava na santidade do casamento.” (Tradução de Rogério Galindo para a Editora Planeta do Brasil - Crítica, São Paulo, 2020.) 
No vaivém desta narrativa (a vida política de Napoleão foi um rocambolesco tumulto, até que o Destino o fixou para sempre em seu último exílio: a longínqua e desolada ilha de Santa Helena), ainda temos espaço para um dos maiores biógrafos do famoso general, que morreu com apenas 51 anos. Refiro-me ao historiador inglês Vincent Cronin, autor de Napoleão – Uma vida.
 
Vincent Cronin (também biógrafo de Luís XIV e de Maria Antonieta) nos relata que Maria Walewska era filha de um nobre polonês que morreu em batalha quando ela era ainda criança; a família ficou praticamente arruinada e vivia numa “mansão sombria cheia de morcegos”. Ainda assim, ela teve aulas em casa com Nicholas Chopin, pai de Frederick. Foi expulsa de uma escola-convento por sua “obsessão por política”. Ela tinha retratos de Napoleão nas paredes de sua casa, pois o incluía entre seus heróis poloneses, uma vez que o imperador lutava contra a Rússia e a Prússia, inimigas da Polônia.
 
Napoleão tinha 27 anos e Maria, 20. Ela estava casada com um rico nobre 49 anos (escreve Vincent Cronin) mais velho que ela; esse casamento arranjado salvou a família da ruína total. Segundo nosso autor, Napoleão logo se encantou com Maria Walewska: 
“Napoleão foi atraído por seus cabelos cacheados claros, seus olhos azuis afastados, seu fogo juvenil.” 
A visita de Maria Walewska ao exilado Napoleão, na ilha de Elba, levando o filho deles, Alexandre, foi brevíssima. Vincent Cronin deixa claro que a amante polonesa não ficou hospedada com a mãe de Napoleão, Letícia Ramolino. Maria Walewska queria ficar em Elba, mesmo que numa casa afastada do bem-amado, ainda casado com Maria Luísa. Mas o imperador despachou-a de volta e com isso a valente polonesa ficou irada. Embarcou em Porto Longone, num brigue, para Nápoles, mesmo sob uma fortíssima tempestade. 
“O vento uivava, árvores tombaram. Napoleão, alarmado, enviou um mensageiro para chamar Marie [Vincent Cronin registra o nome Marie e não Maria] de volta, mas era tarde demais.”

 

O resto da história todos sabem. Napoleão fugiu de Elba, voltou a Paris, fez o chamado governo dos Cem Dias, foi derrotado por Wellington e Blucher na célebre batalha de Waterloo, renunciou no castelo de Malmaison e foi parar na remota ilha de Santa Helena, seu exílio final.
 
Com a palavra, ainda, Vincent Cronin, à pág. 407 de seu livro, na edição brasileira da Amarilys, Barueri, SP, 2013, trad. de Anna Lim e Lana Lim: 
“Napoleão passou cinco dias em Malmaison. Marie Walewska veio com seu filho dizer adeus, e implorou que ele permitisse que ela o seguisse no exílio.” 
Mas o imperador derrotado não queria complicar mais uma situação já bem complicada. Ele pretendia pedir asilo ao inimigo, o governo inglês, ou partir para a América. Nada disso deu certo. Seu terrível destino era Santa Helena, onde morreu depois de seis anos de sofrimento. Nunca mais veria seus filhos, sua ex-esposa Maria Luísa, sua antiga amante polonesa; nunca mais veria sua mãe ou seus irmãos e irmãs.
 
Vincent Cronin relata detalhadamente a morte de Napoleão Bonaparte. Deitado em sua cama rústica, na antiga fazenda em Longwood, o destronado imperador dos franceses agonizava: 
“Às 17h41 o sol se pôs e, à distância, ouviu-se o disparo de um canhão. Seis minutos depois Napoleão emitiu um suspiro. Este foi seguido, em intervalos de um minuto, por mais dois suspiros. Imediatamente após este terceiro suspiro, ele parou de respirar. Antommarchi gentilmente fechou seus olhos e parou o relógio. Eram 17h49 de 5 de maio de 1821 e Napoleão ainda não completara 52 anos.” 
François Antommarchi era um médico de 31 anos de idade, corso como o ilustre falecido. Causa da morte: câncer de estômago.
 
No fim da tarde, Hudson Lowe (futuro Sir Hudson Lowe), governador de Santa Helena, despachou pelo Oceano Atlântico o navio Heron, para levar à Inglaterra e ao mundo a notícia da morte de Napoleão Bonaparte.

10 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
O Blog de São João del-Rei tem o prazer de hospedar refinada crônica do escritor marianense DANILO GOMES, seu colaborador desde meados de 2020. Na sua crônica atual, brinda-nos seu autor com farta pesquisa sobre o romance secreto entre o "ardente petit caporal corso" NAPOLEÃO BONAPARTE (casado com Josefina) com a polaca MARIA WALEWSKA (casada com um rico polaco, conde Anastase Colonna-Walewski).
Walewska foi o tema do filme polonês de 1914: Condessa Walewska, dirigido por Aleksander Hertz.
Sua história também é contada em um filme de 1937, Conquest, também conhecido como Marie Walewska. Greta Garbo interpreta Maria Walewska contracenando com Charles Boyer no papel de Napoleão. Boyer e o diretor de arte Cedric Gibbons foram indicados ao Oscar pelo filme.
A personagem também apareceu em A Soldier's Farewell, um episódio da comédia da BBC Dad's Army. Ela foi interpretada por Alexandra Lara na minissérie Napoléon de 2002.

TEXTO DA CRÔNICA
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/02/napoleao-bonaparte-e-maria-walewska.html 👈

BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/07/colaborador-danilo-carlos-gomes.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Diamantino Bártolo (professor universitário Venade-Caminha-Portugal, gerente de blog que leva o seu nome http://diamantinobartolo.blogspot.com.br/) disse...

Olá, estimado amigo. Muito obrigado. Abraços. Diamantino.

Eugênio Giovenardi (escritor e autor de vários livros, filósofo, sociólogo, professor universitário, consultor da OIT, membro da ANE, do IHG-DF e da Academia de Letras do Brasil) disse...

Braga, do Danilo Gomes pode-se esperar a produção dessas joias histórico-humanas.
Abraço a vocês dois.
Eugênio Giovenardi.

António Valdemar (jornalista e investigador, sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e sócio correspondente português para a ABL-cadeira nº 3) disse...

Caro Francisco Braga,
Texto muito bom.
Parabéns ao autor.
E o melhor abraço do
António Valdemar



Hilma Pereira Ranauro (escritora, autora de "O Falar do Rio de Janeiro") disse...

OBRIGADA.

Hilma Ranauro

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...

Saudações marianenses ao nosso amigo, cronista-maior e poeta-maior, destacado intérprete de nossa mineiridade.

João Alvécio Sossai (escritor, autor de "Um homem chamado Ângelo e outras histórias, ex-salesiano da Faculdade Dom Bosco e ex-professor da UFES (1986-1996)) disse...

Muito ineressante.

Abraço.

Danilo Gomes (escritor, jornalista e cronista, membro das Academias Mineira de Letras e Brasiliense de Letras) disse...

Caro confrade acadêmico Mestre Francisco Braga, que de São João del Rey traz a luz da cultura a todos nós.
Agradeço suas generosas palavras sobre meu artiguete sobre o irrequieto Napoleão Bonaparte e suas andanças por célebres e até principescas alcovas. Era danado o petit caporal corso !!! Fico muito honrado de ver meu modesto texto no seu famoso Blog de SJDR. Muito grato, desde já. Boa e santa Quaresma! Abraço do Danilo Gomes.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Tema curioso, interessante apanhado de referências dessa célebre relação amorosa, marcada pelo romantismo e geopolítica de então. Parabéns pela publicação de mais um notável colaborador.
Saudações.
Cupertino