Por José Carlos Hernández Prieto *
Transcrevemos com a devida vênia do autor excertos de seu livro OUTRAS TRILHAS..., pp. 106-7, 117 e 146-7.
“À Espanha que me viu nascer,
e ao Brasil que me acolheu.”
VIVA ESPAÑA
Por José Carlos Hernández Prieto *
Transcrevemos com a devida vênia do autor excertos de seu livro OUTRAS TRILHAS..., pp. 106-7, 117 e 146-7.
“À Espanha que me viu nascer,
e ao Brasil que me acolheu.”
VIVA ESPAÑA
"O mineiro é velhíssimo, é um ser reflexivo, com segundos propósitos e enrolada natureza."
João Guimarães Rosa
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Otto Lara Resende (✰ São João del-Rei, 1º/05/1922 ✞ Rio de Janeiro, 28/12/1992) ocupou a cadeira nº 39 da Academia Brasileira de Letras. |
Minas assumiu o poder com a Revolução de 30. Não o poder político. O poder cultural. Embora o movimento tenha sido liderado pelos gaúchos, com Getúlio Vargas à frente, coube a um mineiro, Gustavo Capanema, dirigir a política educacional e cultural do governo Vargas, na qualidade de ministro da Educação e Saúde Pública.
Muito já se falou da luminosa passagem de Capanema pelo MES. Decerto favorecido pela ditadura estadonovista, que tornou de fato efetiva a carta-branca a ele conferida por Getúlio, Capanema, durante a sua gestão, promoveu a sua revolução particular, espanando, com extraordinário vigor, o empoeirado universo cultural da época.
Com o poder que lhe foi delegado, ele introduziu nos sistemas oficiais conceitos e pontos-de-vista ao gosto dos modernistas de 22 que não haviam no entanto, àquela altura, merecido o crédito da sociedade e, menos ainda, das chamadas autoridades constituídas. O Brasil, culturalmente falando, era ainda um país tacanho, dos saraus pseudoliterários e das conferências meloparnasianas, comandado, esteticamente, pelos cânones mais retrógrados das beaux arts.
Mineiro, Capanema cercou-se de mineiros. Pôs como seu chefe de gabinete Carlos Drummond de Andrade (como o ministro, de uma geração anterior à de Otto ¹), o que por si só equivalia a uma tomada de posição. O poeta, tido como comunista, não era benquisto pela nata da sociedade conservadora, incluindo-se aí os velhos mandarins dos círculos literários oficiais e os representantes da direita católica.
Eram conhecidas, por exemplo, as diferenças entre o poeta de Claro Enigma e o crítico Alceu Amoroso Lima ². Em março de 1936, Drummond recusou-se a assistir a uma conferência de Alceu, "A educação e o comunismo", no MES. Por causa disso, o poeta-funcionário-público se viu obrigado a por o cargo à disposição do ministro, que, no entanto, desconsiderou sua atitude.
O episódio pode parecer estranho à luz da atualidade. Mas fazia parte da guerra ideológica que se travava no período. Cruzado e patrulheiro da causa do catolicismo, embora com os anos tenha arrefecido sua posição no que esta tinha de mais intolerante, Alceu Amoroso Lima foi, na mesma época, o responsável pela demissão do cronista Rubem Braga do Diário da Noite, de Assis Chateaubriand. Irreverente e anticlerical, Braga escreveu, num momento infeliz, que a Igreja espanhola "não passava de uma pinóia". Só por causa disso Alceu, indignado, pediu a cabeça do jornalista. Chateaubriand a concedeu.
Outro mineiro ilustre no MES foi o jovem advogado, escritor e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade. Para não fugir à regra da tradição da sua terra, tinha publicado um livro de contos tristes, Velórios, do qual aliás não gostava. Rodrigo foi o criador, em 1937, do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (hoje Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN), voltado, pioneiramente, para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.
A perspectiva do MES era a de reconhecer e identificar os valores notáveis do nosso passado, através do SPHAN, e, ao mesmo tempo, projetá-los ao futuro, a partir do reconhecimento de certas propostas da vanguarda que ainda causavam ojeriza tanto ao senso comum como às elites renitentes. Algumas das cabeças mais brilhantes da época se associaram a essa tarefa de redescobrir, com novos olhos, o passado cultural brasileiro.
Mário de Andrade, por exemplo, foi um colaborador incansável de Rodrigo desde os primeiros tempos, tendo redigido o anteprojeto de criação do SPHAN e, mais tarde, como um caçador de relíquias, saído pessoalmente à cata de dados pelo país, particularmente o interior de São Paulo, que enriqueceriam o repertório conceitual da instituição e engrossariam as suas primeiras listas de bens tombados.
Mário de Andrade se tornaria uma espécie de mentor e orientador intelectual do grupo de mineiros de que Otto Lara Resende fazia parte. De espírito aberto e extrovertido, entusiasta dos esforços literários da juventude, o autor de Macunaíma, a partir da sua obra e de suas passagens por Belo Horizonte, influenciaria de forma decisiva a carreira de Otto e de seus amigos, que, durante anos, mantiveram correspondência com o escritor, já então consagrado.
O MES, ou melhor, Gustavo Capanema, acolheu e prestigiou artistas que encontrariam, naquela época, pouco espaço de atuação fora do abrigo da estruturas oficiais. Encomendou painéis ao incompreendido Portinari. Esculturas aos malditos Celso Antônio, Bruno Giorgi e Lipchitz, cujo talhe moderno incomodava a muitos. E até um edifício inteiro, a superenvidraçada sede do MES, a um grupo de arquitetos liderados por Lúcio Costa, achando-se entre estes um jovem especialmente talentoso, porém ainda desconhecido: Oscar Niemeyer.
Tanto Lúcio Costa como Niemeyer — conduzidos logo depois, pelas mãos de Juscelino Kubitschek, a Belo Horizonte — teriam papel destacado no sentido de arejar um pouco a então fechada, e mesmo opressiva, sociedade mineira. Por volta de 1940, no entanto, os jovens mais esclarecidos de Belo Horizonte, entre os quais Otto Lara Resende, só tinham olhos para a guerra na Europa. E, apesar dos feitos vanguardistas do conterrâneo Capanema na Capital Federal, todos detestavam Getúlio.
Mais de uma vez, Otto Lara Resende valendo-se, em geral, de opiniões alheias pautadas no determinismo geográfico, descreveu o mineiro como um ser à parte no contexto das psicologias regionais. Se o brasileiro do litoral, por exemplo, tendia à comunicabilidade e à extroversão, o homem da montanha era, em geral, um ser reservado, desconfiado e muito cioso do seu universo individual.
Num artigo sobre Carlos Drummond de Andrade "O mel oculto, o áspero minério", na tentativa de explicar a personalidade do poeta, Otto se refere a um texto de Guimarães Rosa sobre o "enigma mineiro" (expressão de Otto). Nele, ao seu estilo, o autor de Tutameia arrola algumas características que lhe pareciam fundamentais do montanhês:
“Seu gosto do dinheiro em abstrato. Sua desconfiança e cautela. Sua honesta astúcia meandrosa, de regato serrano, de mestres na resistência passiva. Seu vezo inibido, de homens aprisionados nas manhãs nebulosas e noites nevoentas de cidades tristes, entre a religião e a regra coletiva, austeras, homens de alma encapotada, posto que urbanos e polidos.”
“O Estado mais tipicamente conservador da União abriga o espírito mais livre. Sua aparente docilidade esconde reservas de insubmissão, às vezes convertida em ironia, e de algum modo chocada na pachorra de esperar, que tanto ilude o observador apressado, incapaz de perceber a chama latente do borralho. As revoluções liberais em Minas ilustram isso.”
Outra anedota envolvendo Benedito Valares versa sobre um discurso que o político teria feito numa cidade do interior de Minas, conhecida pelo cultivo de uma fibra vegetal chamada pita. Começava assim: "Nesta região, onde a pita abunda..." Percebendo o cacófato, ele voltou atrás, tentou corrigir, mas a emenda saiu pior que o soneto: "Nesta região, onde abunda a pita..."
A julgar até pela sua frase mais famosa, Otto Lara Resende, apesar da fidelidade às suas raízes, não cultivava bairrismo em relação a Minas. Disse ele:
“O fato de Minas produzir muito escritor e muito banqueiro tem certamente a mesma explicação pela ecologia e pela sociologia. Mineiro é o povo que se deixa cortar o pescoço para não pagar imposto, porque não acredita no Estado. A própria formação de Minas, com aquelas levas de aventureiros de diferentes etnias que procuravam vender pastéis e miçangas aos arruinados do ouro, determinou uma economia de reflexos fechados, à base do pé-de-meia individual.”
Como jovem repórter, já no Rio, cobrindo a instalação da Constituinte de 1946 para O Globo, Otto Lara Resende teve a oportunidade de conhecer de perto Getúlio Vargas, então um ex-presidente retornando ao poder, dessa vez ao poder legislativo, na qualidade de senador dos mais votados. Essa entrevista renderia a Otto, mais tarde, algumas de suas melhores páginas.
Ele encontrou-se com Getúlio no apartamento deste, no Morro da Viúva. Em vez do repulsivo tirano da sua adolescência, deparou-se com um homem algo bonachão, às vezes mesmo meio tímido, disposto a ouvi-lo paternal e pacientemente, sempre com um atencioso sorriso nos lábios. Deu até espaço para que Otto, um mero foca ³, explicitasse todas as suas furibundas críticas acumuladas contra o Estado Novo. Depois disse: "Tu és ainda muito jovem e não sabes que um ditador não pode fazer tudo. Um dia saberás."
Curioso, anotou o repórter, é que o ex-presidente chamava-se a si próprio de "ditador", mesmo termo usado pela imprensa de oposição para ofendê-lo. Anos depois, anotaria o escritor maduro:
“A despeito de seu estilo caudilhesco, de sua formação pouco inclinada ao prestígio das instituições democráticas, é possível que a História venha um dia a reconhecer, sem paixão, que Getúlio Vargas foi um momento importante em nossa trajetória republicana.”
Por ALZIRA AGOSTINI HADDAD *
Este livro integra o "Projeto Ser nobre é ter identidade: patrimônio sociocultural de São João del-Rei", aprovado pela Lei Rouanet de incentivo à Cultura e conta com o patrocínio da Cemig. Tem por objetivo identificar, valorizar, divulgar e registrar pesquisas e registros do patrimônio da Estrada Real através de ações socioculturais, publicações de educação patrimonial diversas, exposições presenciais e virtuais e portal/Banco de Dados e Imagens.
A Estrada Real foi instituída como rota oficial da Coroa Portuguesa no século XVII e é considerado o mais importante circuito histórico-turístico-cultural no Brasil. O Circuito Estrada Real é um projeto que nasceu em São João del-Rei/MG, idealizado por Átila C. Godoy e Oyama Ramalho.
Criação, projeto gráfico, editoração digital, tratamento das imagens, pesquisa, textos, capa e coordenação: Alzira Agostini Haddad/Atitude Cultural São João del-Rei.
Por Instituto Roque Camêllo *
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Daniel Viçoso Ferreira Rolim (Viçoso, acrescentado a seu nome por ter sido miraculado pela intercessão do Venerável Dom Viçoso), assinando o livro de presença na Cartuxa. |