domingo, 8 de dezembro de 2024

HOMILIA “Maria Imaculada, Mestra da oração e Mãe da esperança”


Por Pe. SÁULO JOSÉ ALVES
Pároco / Reitor da Paróquia / Santuário de Nossa Senhora da Conceição, de Conceição da Barra de Minas, Diocese de São João del-Rei 
Nossa Senhora da Conceição no andor na entrada do templo


Nossa Senhora da Conceição no altar-mor. Conforme consta, veio de Gênova, Itália, no começo do século XX (1904).  Foi esculpida em mármore de Carrara. Desembarcada no porto do Rio de Janeiro, chegou a São João del-Rei pela Rede Mineira de Viação e foi transportada até Conceição da Barra de Minas em carro de boi. Também consta que o doador foi certo major.

 

 

Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non es in te”. A beleza de Maria é fruto de sua santidade. Maria não “entra absolutamente em questão quando se fala de pecado”, segundo pensamento de Santo Agostinho. 
A Conceição Imaculada de Maria é a garantia da possibilidade da realização do plano de Deus nesta terra. Não só a alma de Maria é preservada do pecado, mas toda a sua pessoa é penetrada e animada pela graça. “A Virgem de Nazaré foi admiravelmente santificada desde o instante de sua concepção. [...] Abraçando a vontade salvadora de Deus com todo o coração e sem nenhuma sombra de pecado, consagrou-se totalmente como serva do Senhor...” (Lumen Gentium, n.º 56). 
O Papa Pio IX, no ano de 1854, através da Bula “Ineffabilis Deus”, definiu como dogma de fé a Imaculada Conceição de Maria, pronunciando-se no nº 41: “em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos: A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”. 
Ó santo, feliz e mil vezes bendito aquele dia. Benditos os lábios que definiram esse Dogma, homens grandiosos, de solidez irretocável. Bendito o mundo que venera e proclama a Virgem Maria imune do pecado. Bendito o dia de hoje e o povo que o celebra. 
Estão intimamente ligados o Dogma da Imaculada Conceição (Pio IX) e do Dogma da Assunção (Pio XII). Maria venceu o pecado com a sua concepção, não se sujeitando à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, porque “O lugar de Maria é onde está Cristo” (São Bernardino). Convinha que aquela que foi esposada pelo Pai e manteve ilibada virgindade no parto conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte, e habitasse entre os divinos tabernáculos. 
São Germano de Constantinopla julgava que a incorrupção do corpo da Virgem Maria Mãe de Deus e a sua assunção ao céu são corolários não só da sua maternidade divina, mas até da santidade singular daquele corpo virginal. 
Os Padres Conciliares do Concílio Vaticano II, retomando uma expressão de Santo Irineu de Lião, apontam que o primeiro elemento da fé de Maria se encontra na sua obediência. Aquilo que Eva atara com sua incredulidade, a Virgem Maria o desatou com sua fé. (Adversus Haereses III, 22, 4). “A Deus que revela é devida ‘a obediência da fé’ (Rom 16, 26; cf. Rom 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), pela qual o homem a Ele se entrega total e livremente”. 
O Concílio evidencia também que a Mãe de Deus já é a realização escatológica da Igreja: “na Santíssima Virgem ela já atingiu aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cf. Ef 5,27)” ― e, simultaneamente, que “os fiéis ainda têm de envidar esforços para debelar o pecado e crescer na santidade. Por isso, eles levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos”. 
Na fé e na obediência, Maria gerou na terra o Filho de Deus, por obra do Espírito Santo (Lumen Gentium, n.º 63). Mediante o seu livre consentimento e sua disponibilidade a Deus, concebeu primeiramente na fé e depois deu carne humana ao Filho de Deus. 
Na Anunciação, Maria entregou-se completamente Àquele que lhe falava, mediante o seu mensageiro, prestando-lhe o “obséquio pleno da inteligência e da vontade”. Ela respondeu, pois, com todo o seu “eu” humano e feminino. Nesta resposta de fé estava contida uma cooperação perfeita com a “prévia e concomitante ajuda da graça divina” e uma disponibilidade perfeita à ação do Espírito Santo. “A Encarnação do Verbo não pode ser pensada, prescindido da liberdade de Maria” (cf. Verbum Domini, n.ºs 27-28; Doc. 4 CNBB). Ao entrar “em diálogo íntimo com a Palavra de Deus que lhe foi anunciada, não a considera superficialmente, mas detém-se, deixa-a penetrar na sua mente e no seu coração para compreender aquilo que o Senhor deseja dela, o sentido do anúncio” (Bento XVI, Audiência geral, 19-XII-2012). 
Maria “deu à luz o Filho, que Deus estabeleceu como primogênito entre muitos irmãos” (Rom 8, 29) e também porque “Ela coopera com amor de mãe” para “a regeneração e educação” de irmãos e irmãs. 
Se nos permitirmos identificar com Maria e imitarmos as suas virtudes, Cristo nascerá, pela graça, na alma dos que se identificam com Ele pela ação do Espírito Santo. Assim, de algum modo, participaremos de sua maternidade espiritual. 
A Igreja tem consciência de que Maria apareceu antes de Cristo no horizonte da história da salvação. Sem dúvida, é um fato que, com o advento salvífico do Emanuel, Aquela que desde a eternidade estava destinada a ser sua Mãe já existia sobre a terra. 
As palavras de Isabel são densas de significado: “Bem-aventurada aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1, 45). Esta saudação de Isabel e a saudação do Anjo “cheia de graça”, mostram como a Virgem de Nazaré tinha correspondido a este dom, pela fé. Aqui se revela a verdade acerca de Maria, precisamente porque ela “acreditou”. A plenitude da graça, anunciada pelo Anjo, significa o dom de Deus mesmo, ao qual Maria correspondeu. Ali Maria elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que n’Ela se realizavam (cf. Lc 1, 46-55). 
Avançando pelo caminho da fé (cf. Lumen Gentium, 58), Maria precede-nos, acompanha-nos e sustenta-nos neste caminho, que é Jesus. Com Maria aprendemos a progredir na fé, ouvindo, seguindo e deixando-nos guiar pelas palavras de Jesus, com os próprios sentimentos e atitudes d’Ele: humildade, misericórdia, solidariedade, amor e fidelidade. 
Segundo o Papa Bento XVI, Ela “vive totalmente da e na relação com o Senhor; põe-se em atitude de escuta, atenta a captar os sinais de Deus no caminho do seu povo; está inserida numa história de fé e de esperança nas promessas de Deus, que constituem o tecido da sua existência”. 
Assim, em Maria, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen Fidei, 29-VI-2013, n. 58). 
Maria compreendeu que o caminho da fé passa pela cruz. Por isso, enfrentou a incompreensão e o desprezo. Ao chegar o momento da paixão de Jesus, a fé de Maria foi uma chama que se colocou de vigia até ao alvorecer da Ressurreição, quando, em seu coração, alastrou-se a alegria da fé. Essa mesma fé, Maria transmitiu-a aos Doze Apóstolos reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1, 14; 2, 1-4). 
Maria é a maior Mestra de fé, levando-a a penetrar no Mistério de Deus Uno e Trino, que Ela nos deu, e, como “mãe da nossa fé” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n.º 60), nos fez participantes desse conhecimento. 
Toda a exibição da fé na existência tem seu protótipo em Maria: o compromisso com Deus e a conformação às circunstâncias da vida ordinária à luz da fé, mesmo nos momentos de escuridão. Por isso, sempre se manteve em uma atitude de confiança, de abertura, de visão sobrenatural, diante de tudo o que acontecia ao seu redor. No Evangelho, Ela nos é apresentada como “Alma Mater”, a Mãe escondida e silenciosa. De tal modo isso se manifesta que, ao encontrarem Jesus no Templo, Maria e José não compreenderam o que Ele lhes dissera, mas manifestaram-se “cum gaudio et pace”. 
A peregrinação da fé é algo que já não pertence à Genetriz do Filho de Deus: Ela está glorificada nos céus ao lado do próprio Filho. A sua união com o mesmo Deus já transpôs o limiar entre a fé e a visão “face-a-face” (1Cor 13, 12). Ao mesmo tempo, porém, nesta realização escatológica, Maria não cessa de ser a “estrela do mar” (Maris Stella) para todos aqueles que ainda percorrem o caminho da fé. 
Mediante sua fé, Maria está perfeitamente unida a seu Filho no seu despojamento, no Gólgota, submetendo-se à humilhação, porém à obediência até à morte (cf. Fl 2, 5-8). Maria participa, mediante a fé, no mistério desconcertante desse despojamento. Talvez aí se manifesta a mais profunda “kénosis” da fé na história da humanidade. Ali se confirmava o ”sinal de contradição” predito por Simeão. 
Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé, prelúdio e caminho para a maternidade divina, motivo de beatitude e que a fez protagonista e testemunha singular da Encarnação. 
Maria é a Virgem dada à oração. Em Caná, obteve um efeito de graça: a confirmação dos discípulos na fé de Jesus (cf. Jo 2,1 12); na Igreja nascente, junto com os Apóstolos e algumas mulheres. 
Maria foi Santificada por Deus, santificou-se no dia a dia de sua caminhada, testemunhando à mulher a possibilidade responsável da missão e evangelização. 
No rosto de Maria, enxergo a ternura de Deus, a bondade confiante no exercício de tão sublime mistério e o afeto recebido e doado em amor e compromisso missionário e evangélico. Maria é o espírito da nova evangelização: Mãe da Igreja evangelizadora e âmago da explosão missionária. 
Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, “cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos. [...] O que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.” 
Que Maria, a Virgem Imaculada, nos ensine a caminhar por esta estrada da alegria e a viver esta alegria, fiéis à fé em Jesus Cristo, na oração e na esperança! 
 
Paróquia Nossa Senhora da Conceição,
8 de dezembro de 2024 
 
Após a missa das 10 horas, a audiência aplaude a belíssima execução da missa em honra de Nossa Senhora da Conceição, a cargo do coro e orquestra da Lira Sanjoanense, de São João del-Rei, sob a regência do Maestro Modesto Fonseca.

II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.
 

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco José dos Santos Braga disse...

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
Nesta data de 8 de dezembro de 2024, atendi o convite de Pe. SÁULO para me dirigir a Conceição da Barra de Minas a fim de assistir à Santa Missa, acompanhada pela orquestra e coro Lira Sanjoanense de São João del-Rei, corporação que conta 248 anos de existência e de ininterrupta atividade, merecedora do título de "a mais antiga orquestra sinfônica das Américas".
Tive o enorme prazer de ouvir atentamente a homilia pronunciada pelo celebrante. Ao final da cerimônia, fiz a seguinte observação comovida ao autor: "Louvo a sua argumentação na bela peça oratória que tive a honra de ouvir." Convido então o leitor a ler o texto de sua homilia, na Missa da Padroeira da cidade e a conferir a veracidade desse elogio "ex corde".

TEXTO
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/12/homilia-maria-imaculada-mestra-da.html

BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/12/colaborador-pe-saulo-jose-alves.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

PAULO JOSÉ - PAJO POETA (Paulinho) disse...

Espetacular, nobre Confrade Braga! Com certeza seu carisma e dom Divino, em mais este nicho, sedimentou um tanto mais de fé do povo, ante a beleza da apresentação. Quiçá o amigo pudesse estar diuturnamente a percorrer os templos de fé, e os alimentassem com sua voz e seu teclar dos dedos!

Francisco José dos Santos Braga disse...

Pe. Sáulo José Alves (pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, de Conceição da Barra de Minas, da Diocese de São João del-Rei) disse...
Prezado Confrade Francisco Braga! Sua presença na celebração solene de Nossa Senhora da Conceição - Padroeira da Paróquia e do Município de Conceição da Barra de Minas, em companhia de sua esposa Rute Pardini, foi significativamente importante para nossa Comunidade Paroquial. Mais uma vez, minha reverência e meu profundo agradecimento ao ilustre Confrade.

Agradeço-lhe pelas fotos que me foram enviadas.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Danilo Gomes ((escritor, jornalista e cronista, membro das Academias Mineira de Letras, Marianense de Letras e Brasiliense de Letras) disse...
Mestre Braga, que Nossa Senhora da Conceição nos proteja e abençoe a todos nós, Seus filhos neste mundo. Parabéns pelo belo texto devocional ! .Abraço do Danilo.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Pedro Paulo Torga da Silva disse...
Maria, a mãe do Belo Amor, aquela que recebeu todas as graças de Deus.
Obrigado por compartilhar essa bela homilia.
Abraços a você e Rute, com votos de um abençoado Natal e um próspero ano novo!