sexta-feira, 29 de setembro de 2017

A ÓPERA VAI À ESCOLA


Por Ann M. Lingg
(Traduzido do alemão por Francisco José dos Santos Braga)

Este artigo foi originalmente publicado in Das Beste aus Reader's Digest, Stuttgart, RFA, como "Die Oper geht in die Schule". Jahrgang 16 Nr. 6 Juni 1963, 137-42 pp.

Uma experiência bem sucedida para despertar compreensão da Música em jovens


Numa manhã cinzenta em dezembro de 1960, um caminhão parou em frente de uma escola comunitária de New York, e dois homens começaram a descarregar costumes e uniformes coloridos, cortinas azuis e mobília branca  de época. Umas horas mais tarde compareceram algumas centenas de alunos no salão nobre, e um senhor elegante, de cabelos escuros subiu ao palco.



Eu me chamo John Gutman”, apresentou-se, “e atuo no Metropolitan Opera House. Além disso, leciono na Universidade de Colúmbia. Mas não vim para ensinar-lhes algo – senão uma coisa: Amor àquilo que nós apreciamos e o que para nós na casa de ópera é o melhor do mundo.



O Metropolitan-Opera-Guild – fundado em 1935 com o objetivo de tornar o “Met” uma instituição de todo o país – e o novo Lincoln Center nova-iorquino para as artes teatrais tinham enviado à escola seis cantores e cantoras e um pianista. Do programa constava a ópera buffa Così fan tutte produzida numa versão especialmente reduzida para esse projeto. A maioria das crianças nunca tinha visto uma ópera. Muitos conheciam apenas o habitual conflito nas moradias pobres e apertadas e becos sujos. Mas o apelo do exótico, seu amor de compartilhar algo lindo, fez uma corda secreta soar.



Lá fora há um dia horrível”, continuou o diretor do Met, “mas nós nos dirigimos agora pelo oceano para a Itália, na bela cidade de Nápoles. Lá brilha o sol, e tudo é jovem, bonito e alegre. Nós nos encontramos no século XVIII...



Música animada soava do piano, e a cortina do palco se abriu. As crianças viram fascinadas três elegantes senhores a uma mesa de toalha vermelha quadriculada brindando seus cálices. Então começaram os senhores a cantar, e então foi preciso traduzir o texto italiano para o inglês; foi bom entender tudo. Na ópera um solteirão grisalho (Alfonso) faz uma aposta com dois oficiais jovens (Ferrando e Guglielmo), de que não é possível confiar nas mulheres. O primeiro convence ambos a despedirem-se com um adeus choroso de suas noivas e regressarem disfarçados com trajes orientais, para fazer-lhes a corte. (O solteirão ganha a aposta.)



Gargalhada solta encheu o salão nobre, à medida que a ação se desenvolvia. A música fascinante fez a sua parte. Gutman percebia como semblantes concentrados se animavam, como rostos entediados e irritados se acendiam. Ele sabia fazer seu sonho de uma ópera tornar-se realidade para público juvenil.



Gutman, antes de ser crítico musical em Berlim, já tinha sido desde sua juventude em Nürnberg um apaixonado apreciador de óperas. Nos anos da década de 50, tornou-se um colaborador do recém-nomeado superintendente geral do Met, Rudolf Bing, que já o conhecia da Europa. Quase diariamente se ocupava agora com cantores da nova geração, que queriam uma oportunidade na ópera. Ele constatou que as apresentações vespertinas agendadas pela Guild (Associação) despertavam o interesse tão devastador dos alunos que sete vezes por ano não pareciam também bastar remotamente.



A mesma impressão tiveram as autoridades do Lincoln Center, do qual naquela época ainda não havia muita coisa para se ver certamente. Exatamente então tinha começado com o envolvimento de seus planos radicais, incluindo a construção daquele gigantesco complexo no Lincoln Square em Manhattan, da primitiva Casa da Ópera, Sala de Concerto, Teatro de Repertório e Balé, Academia de Música e outras construções culturais. Mas o “fundo para educação” do Lincoln Center com dotação de U$10 milhões já deu retorno, e o Conselho de Administração se compromete com o princípio: “Servir a juventude é nosso objetivo supremo. Não devemos esperar até que concluamos a construção.”



Em maio de 1960 o Centro de Ópera propôs apoio financeiro; em caso positivo, seria possível dar mais apresentações aos alunos. Mas Bing considerava isso impossível, achando que “o Coro e a Orquestra estão, de qualquer forma, próximos a um colapso.” A isso Gutman objetou: “Por que não engajarmos alguns cantores jovens e os mandarmos encenar nas escolas?



Enquanto isso, foram visitados acima de 150.000 escolares graças à boa ideia de Gutman quanto ao fascínio da ópera.



Em 1º de julho de 1960 Gutman indagou a George Schick, um regente nascido em Praga, que dirigiu a Casa de Ópera londrina Covent Garden e outras temporadas no Met, se ele gostaria de assumir a direção musical dos Programas Escolares. Schick aceitou entusiasmado e começou visitando os cantores em New York. Ao mesmo tempo, o jovem assistente de Gutman, Glen Sauls, frequentou diversos festivais de verão, à procura de talentos. Neste ínterim, foi integrada Rose Landver, uma experiente soprano, que tinha se lançado na direção de palco. Ela propôs como primeira obra Così fan tutte, porque essa ópera permite facilmente ser compactada, sem, com isso, comprometer a sua essência. Schick cortou a partitura à metade, enquanto ela adaptava o libretto.



Em setembro se reuniram dezoito cantores e cantoras para o primeiro ensaio. Seis vieram do Met; os doze restantes eram jovens cantores profissionais, que ainda lutavam por reconhecimento. Schick e Madame Landver os dividiram em três grupos corais e com eles ensaiaram firme e cuidadosamente durante seis semanas.



Em outubro o sucesso foi alcançado. Gutman anunciou que Così fan tutte estava disponível às escolas. Estas, no espaço de uma semana, fizeram 75 solicitações.



A première teve lugar em 16 de dezembro de 1960 numa escola primária complementar na favela do bairro do Bronx. 65% dos alunos eram de Porto Rico, 15% negros. Para sua grande satisfação, Gutman vivenciou ali como seu breve discurso, a bela cenografia e a música de Mozart deixaram iluminar 500 rostos.



Desde esse dia a ópera foi levada 245 vezes, e quase sempre a repercussão foi estrondosa. Um diretor de escola no Brooklyn descreveu a apresentação de Così como o mais belo espetáculo a que ele, em 37 anos de atividade como educador, tinha assistido. Um outro recebeu frequentemente “reclamações de professores, alunos e pais, porque apenas um quarto dos membros da escola teve licença para assistir”. Um jovem disse que a apresentação de Così o tinha encorajado  a “conhecer cultura”. Bem mais comovente foi a afirmação de uma moça do Bronx: “Que pena que Mozart já morreu há tanto tempo; essa magnífica audição foi um bálsamo para o meu coração.”



No corrente ano letivo estão levando os três grupos corais 70 apresentações, dentro do “Estúdio do Metropolitan Opera”; mas muito mais escolas ainda estão na lista de espera. Em vista da sempre crescente demanda, faz-se um grande esforço para conseguir cantores adicionais para acolher no repertório uma segunda ópera, O Barbeiro de Sevilha de Rossini.



Será que vai continuar o interesse despertado dos jovens na música clássica através de sua primeira experiência de ópera? Só o tempo pode ensinar isso. No que tange o presente momento, alegram-se John Gutman e seus colaboradores cada vez mais, quando eles pensam no menino pobremente vestido, que, depois de uma apresentação, se ergueu diante da diretora Rose Landver e disse: “Posso apertar a sua mão? Nunca tinha experimentado algo tão lindo em minha vida.”

7 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

No Blog do Braga publiquei em 21/05/2012 um artigo intitulado "Poder da Ópera de levar a um 'sentir coletivo'", onde mostrei minha experiência como participante de associações de amantes de ópera tanto na cidade de São Paulo quanto em Brasília.
Também, no Blog de São João del-Rei, Bohumil Med, trompista, professor universitário de trompa e teoria musical, editor e crítico musical, colaborou com um artigo sobre "Ópera (excerto do livro Música é coisa séria... mas nem sempre", publicado em 30/05/2017.

Agora, tenho a satisfação de anunciar uma nova contribuição sobre o mesmo tema: A ÓPERA VAI À ESCOLA, pela musicóloga e escritora ANN M. LINGG, que escreveu esse artigo pensando numa experiência real: a iniciativa pioneira de criar um Estúdio do Metropolitan Opera para visitar 150.000 alunos primários, em Manhattan, principalmente no bairro do Bronx. Como a autora já não está entre nós, traduzi seu artigo de uma revista alemã e sua biografia de material em inglês existente na Internet.

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Li o artigo da musicóloga e escritora Ann M. Lingg e agradeço pelo envio.

Que bom exemplo para a disseminação da cultura musical em mentes ainda jovens!

Abraços, Mario.

Eudóxia de Barros (insigne pianista e membro da Academia Brasileira de Música) disse...

Grata ,
Eudóxia .

Elízio Kaliman (jornalista) disse...

Muito obrigado pela excelente matéria A OPERA VAI Á ESCOLA. Elizio.

José Passos de Carvalho (jornalista, genealogista, escritor, presidente da ALL-Academia Lavrense de Letras e membro correspondente do IHG de São João del-Rei e da AFL-Academia Formiguense de Letras) disse...

Prezado confrade e amigo.
Agradeço o brinde com a matéria.
Grande abraço amigo.

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Bem, professor. Tudo o que se refira a iniciativas educacionais - ainda mais como essa - me comove profundamente. O último parágrafo do texto da Sra. Lingg resume bem esse sentimento.
Por outro lado, tinha a curiosidade em saber o que ficaria daquele magnífico trabalho para o futuro. É a mesma que tenho hoje. Houve continuidade? Quais efeitos duradouros pode ter tido junto àquela comunidade do Bronx?
Obrigado.

Suely Campos Franco (professora universitária e produtora cultural da Escola de Música da UFRJ) disse...

Querido Francisco!
Obrigada!!
Aproveito o tema para enviar notícia sobre o projeto Ópera vai à Escola.
Abraço.