sábado, 14 de dezembro de 2024

POEMAS SELETOS DE “LAMPEJOS AO LÉU”


Por JOSÉ CIMINO *
Os cinco poemas e uma reflexão aqui transcritos foram extraídos do livro Lampejos ao Léu publicado em novembro de 2024, precedidos por ilustrações reproduzidas de desenhos de Pablo Picasso, Georges Braque e Cândido Portinari. Projeto gráfico por Edson Brandão.  
 
Lampejos ao Léu por José Cimino - Barbacena: Centro Gráfico e Editora Ltda., nov. 2024, 44 p.

 
SOMBRIOS TEMPOS 
 
No túnel do tempo, 
Avoluma-se o cortejo do funeral da 
liberdade 
Na democracia antidemocrática 
As vítimas do liberticídio 
Dançam a dança macabra dos novos 
escravos 
 
Cérebros vazios 
Imergem na sombra da amnésia de si. 
 
Homens-objetos passam pelo mundo 
Quais reses indo para o matadouro 
 
Formigueiros de homens-massa 
De todas as vielas 
De todas as ruas e avenidas 
Do campo e das cidades 
Pululam no cenário humano 
 
E alcateias de celulares 
Ululam ruídos virtuais 
Nos ouvidos impessoais 
 
No céu da ilusão democrática, 
Como voa tua liberdade? 
 
JUSTIÇA, POR ONDE ANDAS? 
 
Longe dos arrabaldes da moral 
Sob o céu de pseudojustiça 
Latidos de cães vorazes, 
Em busca do dinheiro alheio, 
Entristecem o olhar da lua, 
Manipulando aquilo que chamam de 
Direito. 
Mas a seca paisagem dos dias 
macabros 
Um dia florirá rosas 
 
CONTRASTES 
 
Onde quer que estejas 
Encontrarás poetas 
Que a vida recria em sonhos 
Encontrarás ladrões e corruptos 
Que escarneiam a justiça. 
Toparás com fracos e fortes, 
Uns padecendo martírios, 
Outros festejando a vida 
Em ágapes de mesas fartas. 
 
ESPELHO 
 
Vivemos entre espelhos, 
Disfarces de máscaras de ferro, 
Faces escondidas sob máscaras de 
ouro, 
Rostos obtusos sob máscaras de 
papel, 
Semblantes frios sob máscaras de 
gelo 
Sobrancelhas carrancudas sob 
máscaras de fogo, 
Onde estão as faces sem disfarces? 
Apenas as crianças com máscaras de 
vidro 
Sorriem transparências. 
 
A SOMBRA 
 
Édipos errantes somos nós, 
Escondendo a face por detrás das 
sombras. 
Fiel companheira da vida humana, 
Algum dia, 
Alguém logrou escapar à própria 
sombra? 
No previsto e no previsível, 
Ela é a minha ilusão que flui 
Com as batidas do coração. 
O que de mim se apossa 
E costura por dentro o meu eu 
É apenas sombra para o outro. 
Minha luz de dentro 
É o meu oculto irrevelável. 
O que de mim o outro conhece 
É tão só um eco longínquo 
Oh! As sombras! 
Poeiras do tempo 
Que me encobre e me esconde 
Ou a mentira que sou para o próximo. 
Sombras, sombras... 
Pobreza humana 
No vaivém do mundo.
 
REFLEXÃO NA CONTRACAPA
 
Nestes tempos de avanços 
tecnológicos, em que o ser 
humano pouco a pouco se vai 
fazendo fiel servo da tecnologia, 
urge que ele se volte para a 
nobilíssima ação de “pensar. O 
“pensante é livre e só obedece à 
sua consciência e jamais será um 
“homem-massa. Ele habita algo 
imponderável e tão abismal que 
nem mesmo o universo o pode 
preencher. O “pensante é autor 
da própria história. A taça da vida 
do “pensante é orlada de vastos 
horizontes e todos os dias haure 
vastos goles de sol. Eis o signo do 
“homem-pensante
Rei de si mesmo. 
Hosanas à vida pensante!
 

 *  José Cimino é escritor e filósofo, membro efetivo da Academia Barbacenense de Letras, cadeira nº 12; membro fundador e atual Presidente da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras-MG Leste, cadeira nº 16; membro fundador e atual Presidente da AMEF-Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos. Escritor com vários livros publicados, professor de filosofia no ensino superior, principalmente na Faculdade Dom Bosco de São João del-Rei e na Fundação de Ensino Superior de Rio Verde (Fesurv), Goiás, com rápida passagem pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac) de Barbacena. Admitido no Serviço Público Federal, por concurso, foi Assessor para Assuntos Educacionais do MEC, Diretor da Escola Agrotécnica Federal de Rio Verde, onde recebeu o título de Cidadão Honorário Rioverdense.
 


 
NOÇÃO DE PENSAMENTO FILOSÓFICO
 
Em outra obra de cunho filosófico de José Cimino, intitulada NA LUZ DO SER: Investigações de ontoantropologia, o filósofo-poeta confiou o seu prefácio ao decano, professor e filósofo Tiago Adão Lara, que inseriu como epígrafe do seu texto uma passagem de Jean-François Mattéi extraída do terceiro capítulo do livro “A barbárie interior: ensaio sobre o mundo moderno
MATTÉI: “O pensamento instaura uma cesura, no fio do tempo. Ele é o hiato que permite ao homem suspender uma ação, interromper um processo, estabelecer uma ruptura, nessa rede tecida de desejos e carências, necessidade e submissão, que é o fluxo contínuo da vida. Em seu impulso interno, que o arranca à indiferença de seu mar interior, o pensamento abre uma fenda, entre o passado e o futuro, a fim de inserir-se nesse intermédio. (MATTÉI, J.F.: A barbárie interior. Trad. por Isabel M. Loureiro. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 173) LARA EXPLICA: Pensar, pois, no sentido forte que Mattéi lhe atribui, incomoda. Obriga-nos a questionar o “já pensado, aceito como aconchego, que protege contra as intempéries dos imprevistos e que vai se consolidando como tradição intocável. Pensar, num sentido mais radical, é exercício de liberdade, que rompe o determinismo do necessário, para criar a fluidez do novo. É celebração do humano do homem, a dar sentido e gosto à realidade, a qual a ele se mostra e, por ele, se deixa significar. 
 
Vou a seguir fazer uso de mais um fragmento do mesmo capítulo de Mattéi: 
MATTÉI: “A experiência do pensamento nada tem de histórico e não é necessário voltar a Descartes, Agostinho ou Platão para captar instintivamente a fulguração que se abre para uma alteridade irredutível. Basta-nos voltar a nós mesmos, não ao sujeito moderno que se dissipa na vaidade de seus processos interiores, mas ao pensamento que habita em nós, para sentir imediatamente essa outra presença que nos chama a pensar. (MATTÉI, p. 175) 
Vou reportar-me ao prefácio do mestre LARA, para examinar o que pretende exatamente Mattéi em termos práticos com a sua definição de “pensamento
LARA EXPLICA: Essa perspectiva, proposta por Mattéi, não é a que comumente temos no dia a dia da vida, para resolver as imediatas e rotineiras necessidades da existência. Em tais circunstâncias, quase sempre não pensamos propriamente falando, mas aplicamos, ao que se coloca diante de nós, ou pelos outros. E nos aquietamos. Não nos abrimos para a nova presença. Trata-se, então, de um re-conhecimento, mas não propriamente de um novo conhecimento. Conhecimento, no sentido forte, é geração de novo filho, com outro nome, é geração de nova relação entre o que comumente chamamos sujeito e objeto. O pensar forte, à maneira de Mattéi, dá-se quando ele se coloca diante de nós e sentimo-lo como desafio a decifrar, ou resolver, ou superar. Dá-se como convocação ou provocação para um envolvimento existencial, arrancando-nos da tranquilidade do já conquistado.
 
 
II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação do registro fotográfico utilizado neste trabalho.
 

III. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA DE JOSÉ CIMINO NO BLOG DE SÃO JOÃO DEL-REI

BRAGA, F.J.S.: Colaborador: JOSÉ CIMINO, publicado em 21/04/2019
 
CIMINO, José: NA LUZ DO SER: INVESTIGAÇÕES DE ONTOANTROPOLOGIA, publicado em 24/11/2021

____________: POEMAS SELETOS DE INFINITO INSTANTE”, publicado em 21/04/2019

____________: O livro em minha vida, publicado em 07/02/2024

____________: Ouvindo música e lendo poesia, publicado em 22/03/2023

____________: O professor, publicado em 15/10/2023

domingo, 8 de dezembro de 2024

HOMILIA “Maria Imaculada, Mestra da oração e Mãe da esperança”


Por Pe. SÁULO JOSÉ ALVES
Pároco / Reitor da Paróquia / Santuário de Nossa Senhora da Conceição, de Conceição da Barra de Minas, Diocese de São João del-Rei 
Nossa Senhora da Conceição no andor na entrada do templo


Nossa Senhora da Conceição no altar-mor. Conforme consta, veio de Gênova, Itália, no começo do século XX (1904).  Foi esculpida em mármore de Carrara. Desembarcada no porto do Rio de Janeiro, chegou a São João del-Rei pela Rede Mineira de Viação e foi transportada até Conceição da Barra de Minas em carro de boi. Também consta que o doador foi certo major.

 

 

Tota pulchra es, Maria, et macula originalis non es in te”. A beleza de Maria é fruto de sua santidade. Maria não “entra absolutamente em questão quando se fala de pecado”, segundo pensamento de Santo Agostinho. 
A Conceição Imaculada de Maria é a garantia da possibilidade da realização do plano de Deus nesta terra. Não só a alma de Maria é preservada do pecado, mas toda a sua pessoa é penetrada e animada pela graça. “A Virgem de Nazaré foi admiravelmente santificada desde o instante de sua concepção. [...] Abraçando a vontade salvadora de Deus com todo o coração e sem nenhuma sombra de pecado, consagrou-se totalmente como serva do Senhor...” (Lumen Gentium, n.º 56). 
O Papa Pio IX, no ano de 1854, através da Bula “Ineffabilis Deus”, definiu como dogma de fé a Imaculada Conceição de Maria, pronunciando-se no nº 41: “em honra da santa e indivisível Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos: A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis”. 
Ó santo, feliz e mil vezes bendito aquele dia. Benditos os lábios que definiram esse Dogma, homens grandiosos, de solidez irretocável. Bendito o mundo que venera e proclama a Virgem Maria imune do pecado. Bendito o dia de hoje e o povo que o celebra. 
Estão intimamente ligados o Dogma da Imaculada Conceição (Pio IX) e do Dogma da Assunção (Pio XII). Maria venceu o pecado com a sua concepção, não se sujeitando à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, porque “O lugar de Maria é onde está Cristo” (São Bernardino). Convinha que aquela que foi esposada pelo Pai e manteve ilibada virgindade no parto conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte, e habitasse entre os divinos tabernáculos. 
São Germano de Constantinopla julgava que a incorrupção do corpo da Virgem Maria Mãe de Deus e a sua assunção ao céu são corolários não só da sua maternidade divina, mas até da santidade singular daquele corpo virginal. 
Os Padres Conciliares do Concílio Vaticano II, retomando uma expressão de Santo Irineu de Lião, apontam que o primeiro elemento da fé de Maria se encontra na sua obediência. Aquilo que Eva atara com sua incredulidade, a Virgem Maria o desatou com sua fé. (Adversus Haereses III, 22, 4). “A Deus que revela é devida ‘a obediência da fé’ (Rom 16, 26; cf. Rom 1, 5; 2 Cor 10, 5-6), pela qual o homem a Ele se entrega total e livremente”. 
O Concílio evidencia também que a Mãe de Deus já é a realização escatológica da Igreja: “na Santíssima Virgem ela já atingiu aquela perfeição sem mancha nem ruga que lhe é própria (cf. Ef 5,27)” ― e, simultaneamente, que “os fiéis ainda têm de envidar esforços para debelar o pecado e crescer na santidade. Por isso, eles levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos”. 
Na fé e na obediência, Maria gerou na terra o Filho de Deus, por obra do Espírito Santo (Lumen Gentium, n.º 63). Mediante o seu livre consentimento e sua disponibilidade a Deus, concebeu primeiramente na fé e depois deu carne humana ao Filho de Deus. 
Na Anunciação, Maria entregou-se completamente Àquele que lhe falava, mediante o seu mensageiro, prestando-lhe o “obséquio pleno da inteligência e da vontade”. Ela respondeu, pois, com todo o seu “eu” humano e feminino. Nesta resposta de fé estava contida uma cooperação perfeita com a “prévia e concomitante ajuda da graça divina” e uma disponibilidade perfeita à ação do Espírito Santo. “A Encarnação do Verbo não pode ser pensada, prescindido da liberdade de Maria” (cf. Verbum Domini, n.ºs 27-28; Doc. 4 CNBB). Ao entrar “em diálogo íntimo com a Palavra de Deus que lhe foi anunciada, não a considera superficialmente, mas detém-se, deixa-a penetrar na sua mente e no seu coração para compreender aquilo que o Senhor deseja dela, o sentido do anúncio” (Bento XVI, Audiência geral, 19-XII-2012). 
Maria “deu à luz o Filho, que Deus estabeleceu como primogênito entre muitos irmãos” (Rom 8, 29) e também porque “Ela coopera com amor de mãe” para “a regeneração e educação” de irmãos e irmãs. 
Se nos permitirmos identificar com Maria e imitarmos as suas virtudes, Cristo nascerá, pela graça, na alma dos que se identificam com Ele pela ação do Espírito Santo. Assim, de algum modo, participaremos de sua maternidade espiritual. 
A Igreja tem consciência de que Maria apareceu antes de Cristo no horizonte da história da salvação. Sem dúvida, é um fato que, com o advento salvífico do Emanuel, Aquela que desde a eternidade estava destinada a ser sua Mãe já existia sobre a terra. 
As palavras de Isabel são densas de significado: “Bem-aventurada aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1, 45). Esta saudação de Isabel e a saudação do Anjo “cheia de graça”, mostram como a Virgem de Nazaré tinha correspondido a este dom, pela fé. Aqui se revela a verdade acerca de Maria, precisamente porque ela “acreditou”. A plenitude da graça, anunciada pelo Anjo, significa o dom de Deus mesmo, ao qual Maria correspondeu. Ali Maria elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que n’Ela se realizavam (cf. Lc 1, 46-55). 
Avançando pelo caminho da fé (cf. Lumen Gentium, 58), Maria precede-nos, acompanha-nos e sustenta-nos neste caminho, que é Jesus. Com Maria aprendemos a progredir na fé, ouvindo, seguindo e deixando-nos guiar pelas palavras de Jesus, com os próprios sentimentos e atitudes d’Ele: humildade, misericórdia, solidariedade, amor e fidelidade. 
Segundo o Papa Bento XVI, Ela “vive totalmente da e na relação com o Senhor; põe-se em atitude de escuta, atenta a captar os sinais de Deus no caminho do seu povo; está inserida numa história de fé e de esperança nas promessas de Deus, que constituem o tecido da sua existência”. 
Assim, em Maria, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen Fidei, 29-VI-2013, n. 58). 
Maria compreendeu que o caminho da fé passa pela cruz. Por isso, enfrentou a incompreensão e o desprezo. Ao chegar o momento da paixão de Jesus, a fé de Maria foi uma chama que se colocou de vigia até ao alvorecer da Ressurreição, quando, em seu coração, alastrou-se a alegria da fé. Essa mesma fé, Maria transmitiu-a aos Doze Apóstolos reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. At 1, 14; 2, 1-4). 
Maria é a maior Mestra de fé, levando-a a penetrar no Mistério de Deus Uno e Trino, que Ela nos deu, e, como “mãe da nossa fé” (Papa Francisco, Carta Enc. Lumen fidei, 29-VI-2013, n.º 60), nos fez participantes desse conhecimento. 
Toda a exibição da fé na existência tem seu protótipo em Maria: o compromisso com Deus e a conformação às circunstâncias da vida ordinária à luz da fé, mesmo nos momentos de escuridão. Por isso, sempre se manteve em uma atitude de confiança, de abertura, de visão sobrenatural, diante de tudo o que acontecia ao seu redor. No Evangelho, Ela nos é apresentada como “Alma Mater”, a Mãe escondida e silenciosa. De tal modo isso se manifesta que, ao encontrarem Jesus no Templo, Maria e José não compreenderam o que Ele lhes dissera, mas manifestaram-se “cum gaudio et pace”. 
A peregrinação da fé é algo que já não pertence à Genetriz do Filho de Deus: Ela está glorificada nos céus ao lado do próprio Filho. A sua união com o mesmo Deus já transpôs o limiar entre a fé e a visão “face-a-face” (1Cor 13, 12). Ao mesmo tempo, porém, nesta realização escatológica, Maria não cessa de ser a “estrela do mar” (Maris Stella) para todos aqueles que ainda percorrem o caminho da fé. 
Mediante sua fé, Maria está perfeitamente unida a seu Filho no seu despojamento, no Gólgota, submetendo-se à humilhação, porém à obediência até à morte (cf. Fl 2, 5-8). Maria participa, mediante a fé, no mistério desconcertante desse despojamento. Talvez aí se manifesta a mais profunda “kénosis” da fé na história da humanidade. Ali se confirmava o ”sinal de contradição” predito por Simeão. 
Maria é a Virgem que sabe ouvir, que acolhe a palavra de Deus com fé, prelúdio e caminho para a maternidade divina, motivo de beatitude e que a fez protagonista e testemunha singular da Encarnação. 
Maria é a Virgem dada à oração. Em Caná, obteve um efeito de graça: a confirmação dos discípulos na fé de Jesus (cf. Jo 2,1 12); na Igreja nascente, junto com os Apóstolos e algumas mulheres. 
Maria foi Santificada por Deus, santificou-se no dia a dia de sua caminhada, testemunhando à mulher a possibilidade responsável da missão e evangelização. 
No rosto de Maria, enxergo a ternura de Deus, a bondade confiante no exercício de tão sublime mistério e o afeto recebido e doado em amor e compromisso missionário e evangélico. Maria é o espírito da nova evangelização: Mãe da Igreja evangelizadora e âmago da explosão missionária. 
Contemplando na Mãe de Deus uma vida modelada totalmente pela Palavra, descobrimo-nos também nós chamados a entrar no mistério da fé, pela qual Cristo vem habitar na nossa vida. Como nos recorda Santo Ambrósio, “cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, porém, Cristo é o fruto de todos. [...] O que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de nós diariamente na escuta da Palavra e na celebração dos Sacramentos.” 
Que Maria, a Virgem Imaculada, nos ensine a caminhar por esta estrada da alegria e a viver esta alegria, fiéis à fé em Jesus Cristo, na oração e na esperança! 
 
Paróquia Nossa Senhora da Conceição,
8 de dezembro de 2024 
 
Após a missa das 10 horas, a audiência aplaude a belíssima execução da missa em honra de Nossa Senhora da Conceição, a cargo do coro e orquestra da Lira Sanjoanense, de São João del-Rei, sob a regência do Maestro Modesto Fonseca.

II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.
 

Colaborador: Pe. SÁULO JOSÉ ALVES

Pe. Sáulo, ladeado pelo casal Rute Pardini e Francisco Braga
Pe. Sáulo José Alves nasceu na cidade de Barroso (MG), no dia 24 de abril de 1950. Iniciou seus estudos na cidade natal, tendo concluído o ensino médio na cidade de Barbacena. Bacharel em Letras pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, de São João del-Rei. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior, de Juiz de Fora. Pós-graduado em Educação, na área de "Metodologia e Didática de Ensino, pelas Faculdades Claretianas (SP). Bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio, do Seminário Arquidiocesano Santo Antônio de Juiz de Fora. É professor de língua portuguesa, literatura portuguesa e literatura brasileira. É bacharel militante e cidadão honorário de Conceição da Barra de Minas, onde reside. É membro das seguintes Academias: Academia Barbacenense de Letras, Academia Goianiense de Letras, Academia de Poetas e Prosadores de Minas Gerais e Academia de Letras de São João del-Rei. É autor de uma dezena de livros, dentre os quais se destacam: Caminho sem Chegada, A Palavra e meus Amigos, Gotas, Meus Alunos escrevem (organizador), O Deus da Libertação e Stabat Mater: Setenário das Dores de Maria Santíssima, Poema, Sermões e Reflexões (2012).

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

OS MURAIS DE FREI HUMBERTO RANDAG NO SANTUÁRIO DE SANTO ANTÔNIO DE DIVINÓPOLIS-MG


Por Frei Respício van Valkenhoef, OFM e Roberto Franck (R.F.)
O Diário/O Santuário de Santo Antônio
Belo Horizonte/Divinópolis, 1950 
 
Entrando no Santuário, a gente fica preso pela beleza da pintura que se desenrola como um gobelin enorme de belos desenhos e ricos bordados, antigamente tão em uso em casas de patrícios franceses. 
Parece uma fina tapeçaria que desce do céu e alcança a terra, realçando e relevando o altar-mor. Um triângulo de cores mais claras está traçado na parede frontal, com a ponta cravada no altar e os ângulos e a base se estendem para cima, onde estão as figuras dos Santos de Deus. 
A cruz redentora dentro do arco menor domina todas as figuras dando viva expressão à unidade inseparável da cruz com o altar, em que a Igreja (o sacerdote com o povo) oferece dum modo incruento o sacrifício do Calvário. Um sacrifício  a mesma vítima  Jesus Crucificado  Jesus Sacramentado. 
 
O grande painel, com mais de 150 m2, destaca Jesus Crucificado, ao lado do Espírito Santos e do Pai Eterno, tendo ao redor a figuração de grandes expressões da Igreja triunfante (no alto), do Antigo Testamento (no meio) e da Igreja militante (na parte inferior), em cena que se interpenetram numa unidade harmoniosa e sincrônica.
 
Analisando este afresco, vemos os componentes seguintes da pintura: 
No centro, por cima duma natureza montanhosa, cheia de flores, tudo em formas pictóricas dum surrealismo moderado, o Crucificado, que das mãos cravadas, deixa cair, em dois pratos segurados por anjos, três imensas gotas de sangue, de um vermelho luminoso (R.F.). 
 
 
Jesus Cristo, formado pelo Espírito Santo, no seio da puríssima Virgem, se sacrifica para dar ao seu Pai celeste plena satisfação pelos pecados do gênero humano. 
À esquerda da imagem do Crucificado é representado o mistério da Encarnação, ou melhor, a cena bíblica de São Gabriel anunciando a Maria que havia de conceber do Espírito Santo e dar à luz a Jesus Cristo; ao lado de Nossa Senhora está São José, embevecido, quase tremendo diante deste mistério. 
 
 
À direita do Crucificado um anjo oferece ao Pai celeste o sangue derramado de Jesus, que Ele aceita serena e benignamente, enquanto ao lado direito se vê, na órbita das nuvens que aureolam a cena, a figura de São João Batista (R.F.). 
 
 
Pela felicidade de sua concepção artística destaca-se por esses três desenhos o grande mistério de nossa fé, a Santíssima Trindade na obra da Redenção. 
Em redor destas figuras principais pintou-nos o artista, como num panorama em cima a Igreja triunfante, embaixo a Igreja militante e no meio as principais pessoas do Antigo Testamento, que na tradição da Igreja são protótipos ou figuras simbólicas de Jesus Cristo, o Deus feito homem, ou de Maria, a Mãe de Deus. 
 
a) A IGREJA TRIUNFANTE é representada, em forma dum classicismo barroquizante, por três grupos de santos: 
À esquerda: a santa hierarquia nas pessoas dos Apóstolos São Pedro e São Paulo
Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja; 
São João Maria Vianney, o Santo Cura d'Ars; 
São Lourenço, diácono e mártir. 
No meio: a corte das virgens e viúvas: 
Santa Cecília, virgem e mártir, com a harpa; 
Santa  Inês, virgem e mártir, com o cordeirinho; 
Santa Isabel da Hungria, viúva e padroeira da Ordem III de São Francisco, com as rosas; Santa Catarina, virgem e mártir, com a roda; 
Santa Clara, com a custódia, virgem e primeira abadessa das Irmãs Clarissas que pela bênção do Santíssimo Sacramento repeliu os inimigos que assediavam a cidade de Assis; 
Santa Bárbara, virgem e mártir, com a torre; 
Santa Úrsula, virgem e mártir, com a seta; e
Santa Maria Madalena, penitente. 
 
 
 À direita: um grupo de confessores e fundadores de ordens religiosas: 
São Luís, rei da França, com os instrumentos da paixão, confessor e padroeiro da Ordem III, que tomou parte dos Cruzados para libertar os Santos Lugares do poder dos muçulmanos; 
São Francisco de Assis, confessor e fundador das três Ordens franciscanas: a dos frades menores, das clarissas e a Ordem III; 
São Columbano, abade e grande promotor da vida monástica; 
São Domingos, confessor e fundador da Ordem dos Pregadores e amigo de São Francisco; 
São Gregório Magno, papa e doutor da Igreja. 
 

 
 b) OS PROTÓTIPOS E FIGURAS SIMBÓLICAS 
 
À esquerda, ao lado do Crucificado: 
Abraão, que oferece seu filho único, Isaac, protótipo do sacrifício de Jesus Cristo; Deus Pai mandou seu filho unigênito para ser o sacerdote e a vítima do sacrifício da nova Lei (Não poupou seu próprio filho, entregando-o por nós. Rm 8, 32). 
Isaías, o profeta e vidente da vinda do Messias e dos seus sofrimentos e triunfos (Sairá uma vara do tronco de Jessé e uma flor brotará de sua raiz. Is 11, 1  O Senhor vos dará este sinal: uma virgem dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel. Is. 7, 11) Dramáticas são as profecias sobre a paixão: (Ele era desprezado e experimentado nos sofrimentos. Nós o reputamos como um leproso e como um homem ferido por Deus e humilhado. Mas foi ferido por causa das nossas iniquidades, foi despedaçado por causa dos nossos crimes; o castigo que nos devia trazer a paz caiu sobre ele e nós fomos sarados com as suas pisaduras.  Foi oferecido em sacrifício, porque ele mesmo quis e não abriu a sua boca. Is. 53, 3). 
Judite, com a cabeça de Holofernes, protótipo de Nossa Senhora, a mulher invicta que salvou a cidade de Betúlia do inimigo, salvando seu povo de ruína total. (Tu és a glória de Jerusalém, tu a alegria de Israel, tu a honra de nosso povo. Jt 15, 10). Judite esmagou o inimigo trazendo como troféu a cabeça, assim Maria esmagou a cabeça do inimigo da humanidade. (Deus falou à serpente: Porei inimizade entre ti e a mulher, e ela te pisará a cabeça. Gn 3, 15). 
Jonas, o profeta saindo da baleia, símbolo da ressurreição de Cristo. (Assim como Jonas esteve no ventre da baleia três dias e três noites, assim estará o filho do homem três dias e três noites no seio da terra. Mt 12, 40). 
Davi, com a harpa, rei e profeta, que compôs 150 salmos, entre os quais diversos messiânicos descrevendo os esplendores da divindade, realeza, sumo-sacerdócio de Jesus Cristo. 
Ester, com dois dragões, protótipo de Nossa Senhora. Embora mulher do povo dos judeus, foi elevada à dignidade de rainha dos persas em lugar da rainha Vasti, repudiada pelo rei Assuero (Magnificat: A minha alma glorifica o Senhor que depôs do trono os poderosos e elevou os humildes. Lc 1, 46). Símbolo também da proteção poderosa de Maria Santíssima; a onipotência suplicante. Nenhuma mulher, sob pena de morte, podia comparecer perante o rei, se não fora chamada. Ester tinha acesso livre ao trono do rei. (Não morrerás, porque esta lei não foi feita para ti, mas só para todos os outros. Est. 15, 13) E a Igreja reza em diversas missas em honra de Nossa Senhora: Aproximemo-nos contidamente do trono da graça a fim de alcançar misericórdia. Heb. 4, 16) Assim como Ester salvou a nação dos judeus do extermínio, assim Maria salvará o povo de Deus. (Se eu achei graça aos teus olhos, concede-me a vida de meu povo pelo qual intercedo. Est. 7, 3) Os dois dragões se referem ao sonho em que Mardoqueu viu uma luta renhida entre o pequeno povo dos justos e o grande exército dos ímpios, alcançando a vitória os justos (Est. 11, 6). 
À direita do Crucificado: 
Abel, vitimado primeiro fratricídio com seu sacrifício de cordeiro a que se refere o Cânon da Santa Missa. (Vos digneis lançar um olhar favorável a receber os nossos dons benignamente, assim como aceitastes as ofertas do justo Abel, vosso servo. 
Adão e Eva, na fuga do Paraíso, cujo pecado trouxe a maldição no mundo. Entretanto a Igreja canta na noite de Páscoa: “Oh feliz culpa que nos mereceu tal e tão grande Redentor”. 
Moisés, com as tábuas da lei e serpente de cobre, símbolo do Santo Lenho. (Fase uma serpente de bronze e põe-na por sinal; aquele que sendo ferido, olhar para ela, viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e pô-la por sinal; e os feridos que olharam para ela, sararam. Nm 21, 8)  E como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que seja levantado o Filho do homem a fim de que todo o que crê nele não perca mas tenha a vida eterna. Jo 3, 14). 
Rute, com o feixe de trigo, modelo de amor filial que figura na genealogia de Jesus Cristo, isto é, pertence aos antepassados do rei Davi, portanto também de José e Maria, a mãe de Jesus. Mt 1, 5). 
Jeremias, o grande profeta e vidente da sagrada paixão de Jesus Cristo, conhecido por suas lamentações que a Igreja canta no ofício das Trevas durante o Tríduo Sacro. 
O pobre Jó, sentado no monturo, o modelo da paciência e por isso símbolo de Jesus Cristo na sua humilhação e sofrimentos (Satanás feriu Jó com uma chaga horrível, desde a planta do pé até ao alto da cabeça. Jó 2, 7). 
 
c) A IGREJA MILITANTE é representada no cenário embaixo. 
À esquerda um padre franciscano acolhendo, em meio duma bela paisagem, um grupo de jovens e crianças, quadro a que corresponde ao lado oposto do arco uma cena em que, cercada de idêntica beleza natural, uma freira ajuda enfermos e aleijados. (R.F.). 
 
 
Realmente, estas cenas emocionantes contam em cores vivas, harmoniosas e suaves, a história da humanidade tristemente decaída pelo pecado, mas gloriosamente elevada pela condescendência misericordiosa de Deus. 
Com estas imagens diante dos olhos embebedar-se-ão os fiéis na sublime doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo e na espiritualidade da arte sagrada da Igreja. 
 
Os afrescos menores do santuário 
 
Ao lado esquerdo do arco que separa a capela-mor da nave da Igreja está o afresco de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, excelsa padroeira da Ordem Franciscana. Maria traz no colo o Menino Jesus, que, com uma comprida lança, esmaga a cabeça duma asquerosa serpente, interpretando o pintor em cores vivas e movimentação fortemente barroca às palavras do Gênesis: “Porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar”. (Gn 3, 15). 
Talvez seja interessante saber que o pintor achou, de todos os seus trabalhos, o afresco de Nossa Senhora Senhora o mais bonito. 
 
 
Ao lado direito está o quadro de Santo Antônio, padroeiro do Santuário, pintado num classicismo convencional, numa atitude varonil e enérgica, mas sem o sentimentalismo convencional que gosta de representar o grande aduano, pregador, professor, superior da Ordem Franciscana e doutor da Igreja com fisionomia de criança ou mocinho. Com dignidade, até com autoridade mitigada por imensa bondade, ele olha meditativamente para o seu pequeno divino mestre no braço. O Menino Jesus estende graciosamente os seus bracinhos; parece todo faceiro e contente, prestes a juncar o caminho dos devotos de Santo Antônio com favores e graças, obtidos por intercessão do seu servo fiel e amigo íntimo. 
 
 
 
Vista geral do altar-mor do Santuário de Santo Antônio - Crédito: IBGE

 
No fundo da igreja, ao lado do coro, estão pintados dois quadros da vida de Santo Antônio. 
Ao lado esquerdo “a pregação aos peixes”. No fundo deste quadro o artista retrata o Santuário e o Convento, com ligeiro desvio do seu aspecto real. Notável é a grande admiração dos assistentes; parece que estão dando maior atenção às palavras verberantes do pregador do que ao milagre; só uma pessoa olhando para os peixes aponta o milagre. 
 
 
No lado oposto está “o milagre do Santíssimo Sacramento”; pintura essa narra como o asno faminto, em presença do Santíssimo Sacramento, recusa a comida. É particularmente interessante pelo realismo, digna da palheta de um Picasso na figura do incrédulo contrastando com a dos crentes: os dois coroinhas adoram mui devidamente a Hóstia consagrada. Verifique-se neste quadro, particularmente a forma surrealista das nuvens, já visíveis em afrescos precedentes. (R.F.) 
 

 
Os quadros da Via-Sacra 
 
A via dolorosa, do Pretório de Pilatos até ao cume do Calvário, foi concebida em forma duma fita quase não interrupta. 
1ª Estação (a condenação): Pilatos tipicamente Portinari e no fundo à esquerda um soldado não menos expressivo com seu gesto de ceticismo ouvindo as palavras evasivas do juiz: que é verdade?”. Observe-se a magnificência do contraste na expressão de Jesus. 
 
 
2ª Estação (Jesus com a Cruz): com grave esforço Jesus levanta o opressivo madeiro; os soldados desajeitados ajudam, mas sem aliviar o peso. 
 
 
3ª, 7ª e 9ª Estações (as quedas de Jesus): confrontando essas três estações, notam-se a humilhação cada vez mais profunda e a extenuação total das forças corporais. 
Na 3ª Estação, Jesus cai de joelhos nas pedras, os algozes o arrastam adiante; na 7ª, está para cair de bruços e na 9ª está esmagado sob o peso da cruz, em prostração completa, assim que até os algozes parecem assustados e horrorizados com esta cena. Grandiosa é a expressão da cabeça e das mãos de Cristo na 9ª estação. 
4ª Estação (O encontro): Esse quadro é um dos mais belos da Via-Sacra. Jesus encontra sua mãe. Nossa Senhora está numa posição muito semelhante à que se vê no altar de Isenheim de Matias Gruenewald. Expressão piedosa do amplexo amoroso d duas almas unidas no mesmo sacrifício. 
5ª Estação (Verônica): Essa estação representa só 4 pessoas, chama toda atenção para a face desfigurada na toalha, Jesus entrega o prêmio da caridade e quer continuar a via dolorosa, mas Verônica ajoelha com a relíquia preciosa, esquecida do ambiente turbulento. Reverente e trêmula de emoção, olha para a face estampada na toalha. 
6ª Estação (Simão Cirineu): O pintor interpreta aqui o texto do Evangelho: “Angariaverunt Simonem  requisitaram a Simão, forçando-o a levar a cruz. Bem interpretadas estão a imposição do soldado romano e a relutância de Simão Cirineu. 
8ª Estação (As mulheres em pranto): Quadro emocionante. Lágrimas, gemidos e soluços de dor, de luto inconsolável, mas Jesus levanta a mão dizendo-lhes: Não choreis sobre mim, mas sobre os vossos filhos. 
10ª Estação (O despimento): Nota-se o cansaço total de Cristo finalmente chegado ao Calvário. Notável é este quadro, por causa das expressões dos soldados desapiedados. 
11ª Estação (A crucificação): Pintura de grande e duro realismo. Olhando para esse quadro compreende-se o martírio na cruz. Compassiva e condoída com tantos sofrimentos, a alma piedosa continua a Via-Sacra. O preço da redenção é caro demais. Faltam as palavras para dizer o que vai na alma, meditando sobre estes sofrimentos. 
12ª Estação (A morte de Jesus): Maria Santíssima atrai a si toda a atenção. Como Maria, queremos achegar-nos a Jesus ou ajoelhar ao pé da cruz com São João ou levantar a mão como o centurião em juramento de fé. Eis aqui meu filho  eis aqui meu divino Mestre. Realmente este é o Filho de Deus. 
13ª Estação (O descendimento): Quadro da Semana Santa, tão conhecido a nós todos; Maria Santíssima toda conformada recebe no colo o corpo inanimado do seu Filho, lívido, sem beleza. (Representação essa tem como base um antigo ícone russo). São João e José de Arimateia são as testemunhas silenciosas; compaixão e dor mal contidas estão-lhes estampadas no rosto. 
14ª Estação (O sepultamento): Passou a hora dramática na cruz, a hora mais trágica da vida de Nossa Senhora. O último quadro respira piedade, devoção, amor silenciosos. Está consumada a via dolorosa. 
A Via-Sacra é interrompida pelos arcos das capelas laterais. Ao lado dos arcos estão representados soldados com os instrumentos da paixão ou com as vestes de Jesus. 
São interrupções antes ornamentais, exigidas pela arquitetura da parede. Desta forma, o artista soube magnificamente utilizar o triângulo do lugar à sua disposição, seguindo o grande exemplo de Miguel Ângelo (Michelangelo) na Capela Sistina, em situação idêntica (R.F.). 
Limitamo-nos a essas enumerações e rápidas explicações. Bastam para provar que a pintura de frei Humberto Randag no Santuário de Divinópolis é obra de um genuíno artista, e merece ser demoradamente vista, para poder ser apreciada devidamente. 
 
Fonte: Franciscanos na Terra do Divino: Presença, Palavras e Ações por Frei Leonardo Lucas Pereira, o.f.m., Sheila Almeida Nery Lunkes & Mauro Eustáquio Ferreira (organizadores), Petrópolis: Editora Vozes, 2021, pp. 408-415 e 418-429.
 
 
II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação de todos os registros fotográficos utilizados neste trabalho.
 
Placa comemorativa de tombamento dos afrescos

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Vigários provinciais do Santuário desde a sua fundação em 1924

 

Colaborador: FREI HUMBERTO RANDAG OFM


Por Mauro Eustáquio Ferreira
Transcrevemos aqui o texto Frei Randag: o sacerdote-pintor, publicado na revista Presença Seráfica, jun. 1995. 
 


Frade-artista Humberto Randag em 1949

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O artigo intitulado Grande pintor sacro e sacerdote no Santuário de Santo Antônio", assinado por RAF (frei Rafael van Zevenhoven, o.f.m.) e publicado em 24 de julho de 1949, no jornal A Semana, de Divinópolis, contém algumas informações sobre este artista: frei Humberto Randag. No início de sua crônica, narrava frei Rafael: Foi em dezembro de 1948 que tive a oportunidade de me encontrar com o sacerdote-pintor, em seu atelier em Amsterdam, na Holanda. Mais adiante contava o cronista: Não o conhecia ainda, isto é, apenas de nome, pois em toda parte é conhecido o frade-pintor, através das suas obras de pinturas e desenhos, que ornamentam e enfeitam as maiores igrejas e salões de várias cidades europeias
Ainda é frei Rafael que relata: Formado na escola de Belas-Artes na capital da Holanda, em Amsterdam, o frade-pintor começou logo a chamar a atenção dos seus superiores, que o destinaram para a execução de várias obras de arte em diversas igrejas no país. Rapidamente se espraiava o nome de Randag pelas cidades grandes e pequenas dos Países Baixos, e grande foi o número dos concorrentes que desejavam possuir as obras, paramentos e ornamentações de Randag. Uns anos depois, frei Humberto já podia ombrear-se com os grandes artistas holandeses, granjeando o justo renome de pintor moderno, mas, moderno sem os excessos. Depois o cronista profetiza que a pintura sacra do santuário de Divinópolis será orgulho do povo divinopolitano
O Livro do Tombo da Paróquia de Santo Antônio registra que: Chegou nos fins de julho Padre Frei Humberto Randag OFM, da Holanda, a fim de pintar o Santuário de Santo Antônio. O trabalho terminou-se no mês de dezembro do mesmo ano. Começou o pintor a mandar limpar as paredes de cima para baixo de toda a caiação. A matéria com que pintou eram tintas minerais dissolvidas em silicato de sódio (água de vidro). Ainda segundo o mesmo livro, em 11 de dezembro de 1949, o pintor viajou para o Rio de Janeiro, onde embarcou de volta para Holanda. 
Nascido em 18 de outubro de 1885, em Amsterdam, Holanda, frei Humberto, cujo nome de batismo era Wilhelmus Franciscus Constantinus Maria Randag, entrou na Ordem dos Frades Menores, em 11 de março de 1923, na cidade holandesa de Weert. Entre os anos de 1924 a 1931, foi aluno da Academia de Arte, em Tilburg e Amsterdam, tendo sido considerado como o melhor aluno da turma pelo mestre Roland Holst. 
A primeira grande obra da arte de frei Randag foi a coleção de vitrais para a cidade de Gorcum, muito bem aceita pela crítica. 
Por dois períodos, frei Humberto foi coadjutor paroquial em Amsterdam (de 1931 a 1937 e de 1942 a 1965). Ele também foi mestre dos clérigos de Venraij e Weert (de 1937 a 1941). 
Ao mesmo tempo em que se dedicava ao trabalho tradicional de um religioso, o frade-artista empreendeu também o caminho da arte para divulgar as mensagens evangélicas. A admiração pelos vitrais de Gorcum foi acompanhada por muitas encomendas: murais, quadros, vitrais, crucifixos, desenhos para ilustrarem livros catequéticos e religiosos, e principalmente paramentos e mosaicos, que tornaram o franciscano mais conhecido como artista. 
A maior parte dos trabalhos artísticos de Randag foi realizada na Holanda. No entanto, por muitas vezes convidado para realizar algumas obras no exterior, o sacerdote-artista somente executou o seguinte: mosaicos na Itália (Roma); murais de têmpera à caseína (que foi confundida com afrescos) no Brasil (Divinópolis), em 1949; murais e mosaicos nos Estados Unidos, em 1951 e 1955. 
Os dons artísticos de frei Humberto também se manifestaram quando criou e dirigiu um coral de meninos-cantores e, pouco mais tarde, como coadjutor, logo depois da Segunda Guerra Mundial, soube congregar um grupo de jovens artistas (o grupo Homo Ludens) para apresentar programas de divertimento e recreação. 
De acordo com professor Henk Rozestraten (ex-frei Benedito, OFM), que repassou estas informações biográficas, os confrades de frei Humberto consideravam-no um homem piedoso, cumpridor de seus deveres como religioso e franciscanoum homem profundamente apostólico
Depois de ter intensamente propagado a fé cristã por meio de sua arte genuína, transmitido seu ensinamentos a vários discípulos e vivido virtuosamente seu sacerdócio, frei Humberto Randag faleceu aos 22 de agosto de 1965, em Amsterdam. Foi sepultado no cemitério dos franciscanos em Katwijk ann Rijn, em 26 de agosto. 
 
A ajudante e modelo 
 
Durante os quatro meses em que ficou em Divinópolis, frei Randag teve pouco relacionamento com os divinopolitanos. Uma das pessoas com quem ele se relacionou foi a então jovem Geralda de Souza, que, em 1949, era aluna do curso de formação da Escola Normal Mário Casassanta, desde 1961 Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração. Ela fora a escolhida pelo próprio frade, após um teste aplicado entre as estudantes de pintura do citado colégio de freiras, para com ele colaborar nos painéis da nova igreja dos franciscanos. 
Como ajudante do pintor nos murais do santuário, Geralda tinha de com ele conversar. É ela quem conta: Nós nos comunicávamos em francês, porque frei Humberto não falava a nossa língua
Ele era um pessoa muito alegre; cantava o tempo todo; era muito simples e pintava rápido. Sim, frei Humberto era muito rápido para pintar lembra Geralda, que estudava pela manhã e, à tarde, colaborava na pintura dos painéis. Depois ela acrescenta: Eu pintava os complementos: por exemplo, os cabelos e as flores. ele fazia as marcações e pintava as partes mais importantes. Depois eu vinha completando. E ressalta que o frade-pintor lhe dava plena liberdade de criar as flores e outros detalhes. 
Durante todo o tempo em que estava sendo pintado o grande painel do altar-mor, uma enorme cortina escondeu os andaimes e o desenvolvimento dos trabalhos. O povo só pôde ver a obra depois de toda pronta. Geralda conta também que somente alguns convidados é que tiveram acesso àquele espaço enquanto se processava a pintura. 
Natural de Bambuí, Minas Gerais, Geralda mudou-se ainda criança para Divinópolis. Hoje, aposentada da Rede Ferroviária Federal S/A, onde trabalhou no setor de Relações Públicas, e morando em Belo Horizonte, ela guarda com muita saudade e reverência as lembranças da sua participação naquele empreendimento e ainda revela que, além de ter colaborado como pintora dos painéis de frei Randag, serviu-lhe de modelo para que fosse retratado o rosto de Nossa Senhora junto ao Cristo, na via-sacra. 
 
Fonte: Franciscanos na Terra do Divino: Presença, Palavras e Ações por Frei Leonardo Lucas Pereira, o.f.m., Sheila Almeida Nery Lunkes & Mauro Eustáquio Ferreira (organizadores), Petrópolis: Editora Vozes, 2021, p. 401-403.
 
 
II. AGRADECIMENTO

O gerente do Blog agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga pela formatação do registro fotográfico utilizado neste trabalho.