Por Abgar Antônio Campos Tirado *
Doença, agonia e morte
Estando acamado havia menos de oito dias, percebendo a gravidade de seu estado, pediu fossem-lhe ministrados os sacramentos, sendo ele, em sua agonia, rodeado pelos parentes e pelo povo inconsolável. Perguntando-lhe o Dr. Cornélio Milward, médico que o assistia, sobre como se encontrava, respondeu-lhe: "Sinto-me morrer, doutor". Foram suas últimas palavras.
Precisamente às quatorze horas e cinqüenta minutos do dia vinte e dois de janeiro de mil oitocentos e oitenta e sete, falece o Revmo. Padre José Maria Xavier, presbítero do hábito de São Pedro. Foi dada como “causa mortis” diarréia e "paralesia consecutiva".
Desde o momento em que entrara em coma, os sinos de São João del-Rei faziam ecoar o toque de agonia.
No dia seguinte ao passamento, realizaram-se os funerais, simples na forma, conforme seu próprio pedido, mas riquíssimos no comparecimento das Ordens, das Irmandades e do povo em geral e, sobretudo, no afeto e no imenso pesar por todos demonstrados.
Após a missa de Requiem e encomendações (era o pároco na época o Revmo. Sr. Cônego Francisco de Paula da Rocha Nunan), seu corpo foi sepultado no cemitério da Confraria de Nossa Senhora do Rosário.
Durante muitos anos residiu o Padre José Maria, à Rua da Prata nº 86, em casa ainda hoje existente, a qual exibe um gracioso sótão, e que hoje restaurada, abriga consultórios médicos. Mudando-se posteriormente para uma casa em frente, hoje demolida, ali faleceu.
A humildade, a profunda fé e piedade cristã do ilustre morto se acham evidenciadas em seu testamento, datado de 13 de junho de 1885, em que, entre outras disposições, renova sua solene Profissão de Fé e de fidelidade à Igreja Católica, pede perdão a todos por qualquer ofensa, revela jamais guardar qualquer ressentimento de alguém, distribui entre seus parentes seus poucos bens, pede “toda ausência de pompa e muita simplicidade” em seu sepultamento, o qual se deveria realizar no Cemitério do Rosário, e solicita, principalmente, Missas em sufrágio de sua alma, bem como no de pessoas de sua família, concluindo com o apelo: "Em vez de coroas, marcha fúnebre, mausoléu, flores, poesias e necrológios eu prefiro e peço, pelo amor de Deus e por caridade, alguns Padre-Nossos e outros sufrágios constantes".
Reconhecimento
Além dos biógrafos citados, pesquisaram, entre outros, a vida do notável sacerdote os historiadores Augusto das Chagas Viegas, Sebastião de Oliveira Cintra e Fábio Nélson Guimarães, tendo este publicado um opúsculo especialmente dedicado ao compositor.
A música do Padre José Maria é executada principalmente em São João del-Rei, pelas bicentenárias orquestras Lira Sanioanense e Ribeiro Bastos, assim como em outras cidades mineiras, notadamente Prados e Ouro Preto, sendo que, em ocasiões especiais, tem sido apresentada em inúmeras outras cidades, até mesmo na França e nos Estados Unidos.
Em 1912, o poeta Bento Ernesto Junior idealizou erigir, em uma de nossas praças, um busto do grande musicista. Efetivamente, a 02 de maio de 1915, foi a herma inaugurada bem defronte à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Discursaram durante a cerimônia o Padre João Batista da Silva e o venerando professor Antônio Rodrigues de Melo, já com 78 anos de idade e bastante doente (faleceria a 15 de julho do mesmo ano), este em latim, assim concluindo sua oração: "Beati qui viderunt et cognoverunt hunc sacerdotem flore aetatis! O felix patria quae germinavit, et docuit, et educavit, et elevavit eum ad apicem gloriae et immortalitatis!".
A Academia Brasileira de Música, fundada em 14 de julho de 1945, declarada "órgão técnico-consultivo para colaborar com o poder público, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com o levantamento do nível cultural e artístico do Brasil" e que teve, respectivamente, como primeiro presidente e primeiro tesoureiro os imortais compositores Heitor Villa-Lobos e Oscar Lorenzo Fernandez, escolheu para Patrono de sua cadeira nº 12 o Padre José Maria Xavier. Foi seu primeiro ocupante Octávio Bevilacqua, pertencendo depois ao são-joanense Dr. José Maria Neves, lamentavelmente falecido em 2002, no vigor dos anos e das atividades.
Concluindo, pode-se afirmar ter sido o Padre José Maria Xavier uma pessoa extraordinária: como sacerdote, demonstrou heróicas virtudes (entre outras, modelo de observância do celibato, em uma época de relaxamento de costumes, não sendo incomum sacerdotes reconhecerem oficialmente filhos seus, como, por exemplo, o compositor carioca Padre José Maurício Nunes Garcia, o que, de certa forma, era bem aceito pelo povo); como artista criador, soube o Padre José Maria Xavier tornar profundamente místicas e angélicas melodias, harmonias e ritmos visceralmente humanos.
Para finalizar, com relação ao Padre José Maria Xavier pode-se dizer, parodiando o excelso Padre Antônio Vieira, referindo-se a Santo Inácio de Loyola: Padre José Maria Xavier, artista semelhante a tantos; Padre José Maria Xavier, artista sem semelhante.
Artigo publicado na Revista da Academia de Letras de São João del-Rei, ano II, nº 1 - 2006; páginas 163 - 173

Fotos:
1 - Busto do Padre José Maria Xavier e Igreja Nossa Senhora do Rosário ao fundo (2008). Crédito: Cris Carezzato
2 - Esquina da Rua Padre José Maria Xavier (2009). Crédito: Cris Carezzato
Um comentário:
Excelente artigo! Bravo, Abgar!
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