Por Abgar Antônio Campos Tirado *
Reconhece-se no Padre José Maria Xavier um dos filhos de São João del-Rei que mais dignificaram sua cidade natal, por seus admiráveis méritos, tanto no campo das virtudes apostólicas como na vastidão de sua cultura e, de modo especial, por suas qualidades de extraordinário musicista, criador, antes de tudo.
Aspectos Biográficos
A vila de São João del-Rei, em princípios do século XIX, já não era mais o esplendoroso centro de mineração que tanto a projetara no século anterior, mas mantinha sua importância como movimentado pólo social e comercial, tendo conseguido diversificar sua economia de tal forma que pôde garantir sua sobrevivência e assegurar seu progresso. No campo religioso era total a proeminência da Igreja Católica, com grande prestígio do clero e das ordens e irmandades religiosas, pertencendo à então Diocese de Mariana, criada em 1745.
Nesse contexto sócio-econômico, no dia 23 de agosto de 1819, nasceu o futuro sacerdote-compositor na já centenária Rua de Santo Antônio, na casa de número 112, filho do casal João Xavier da Silva Ferrão e D. Maria Benedita de Miranda, esta da ilustre estirpe dos Miranda, família de renomados musicistas são-joanenses à qual pertenceu José Joaquim de Miranda, pai da mencionada senhora, o qual no ano de 1776 fundara a velha Companhia de Música, depois Sociedade Musical Lira Sanjoanense, hoje Orquestra Lira Sanjoanense.
Além de José Maria, integravam a prole do casal as irmãs Teresa, Mariana, Maria Lina e Bernarda Luíza. O menino foi levado à pia batismal pelos viúvos, Capitão Jerônimo José Rodrigues e D. Maria Custódia, onde o sacramento lhe foi ministrado pelo padre coadjutor, Alexandre Joaquim do Amaral.
Desde cedo revelando invulgar inteligência, iniciou-se nas Letras com o renomado mestre Guilherme José da Costa e, na música, com seu tio, Francisco de Paula Miranda, que dirigiu a hoje orquestra Lira Sanjoanense, de 1827 a 1846. Nessa mesma orquestra, José Maria atuou como menino-cantor (tiple) e como clarinetista e violinista. Sabe-se que também tocava viola, violão e piano (como clarinetista, em contrato firmado pela Ordem do Carmo com o dirigente da Orquestra, a 09/12/1837, o jovem musicista deveria receber quatorze mil réis anuais). Paralelamente às suas atividades musicais, inicia-se nos segredos da Gramática Latina, que tanto lhe valeriam em sua futura carreira.
Em 1838 conclui seus estudos preparatórios, após cursar brilhantemente a escola pública, sob a orientação dos mestres Reginaldo Pereira de Barros, Dr. Domingos da Cunha e do Cônego José Antônio Marinho, quando freqüentou as chamadas aulas públicas de Latim, Francês, História, Geografia e Filosofia. A 23 de dezembro de 1839 recebe do Delegado Imperial da Instrução Secundária o Diploma de Mérito.
Sem prejuízo de suas atividades escolares, ajudava seus pais no orçamento doméstico, lecionando música, particularmente, nas casas e atuando como escriturário no escritório do advogado José Maria da Câmara, seu cunhado.
Impelido todavia por uma vocação que já dormitava em sua alma e que crescia no contacto direto com as orações e cerimônias da Igreja, parte em 1845 para o Seminário de Mariana, decidido a tornar-se sacerdote. Possuidor de sólida formação humanística, faltava-lhe apenas o estudo da Teologia e aprofundamento na Liturgia. A propósito, convém lembrar que o mui conceituado e respeitado Seminário de Mariana, fundado por seu primeiro bispo, D. Frei Manoel da Cruz, sob o pontificado do notável Bento XIV, com a devida licença de Sua Majestade D. João V passada a 12 de setembro de 1748, vinha sofrendo grandes crises, tendo sido fechado e reaberto por três vezes, ocorrendo o último fechamento em 1842, tendo até mesmo sido transformado em quartel para tropas, durante a Revolução Liberal. Nessa ocasião, residia no seminário apenas um aluno, sem aulas para freqüentar. Parece que funcionava apenas uma aula de Moral, destinada a alunos externos. Quando D. Antônio Ferreira Viçoso tomou posse da Diocese, a 16 de junho de 1844, esta estava vacante já havia 9 anos! Imediatamente procedeu esse grande e santo bispo à reabertura do seminário, providenciando a reforma do edifício e a organização das aulas com os mestres que pôde obter, recebendo os alunos que chegavam, sendo que já em janeiro de 1845 começava a funcionar, sob a direção do padre, depois bispo, João Antônio dos Santos, após ter ficado por breve período, como reitor, o padre Francisco Soares de Faria. Justamente nesse mesmo ano de 1845 ingressa José Maria Xavier no Seminário de Mariana, que, praticamente, estava renascendo para suas atividades. Talvez seja esse o principal motivo de, lá permanecendo apenas por 1 ano, ter José Maria recebido sua ordenação sacerdotal, evidentemente tendo sido considerada a já referida sólida formação humanística e, sem dúvida, religiosa, apresentada pelo seminarista em questão. Assim, já no dia 19 de abril de 1846 é ordenado presbítero por D. Antônio Ferreira Viçoso nos derradeiros dias do pontificado de Gregório XVI. A 23 de maio do mesmo ano, na Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, canta sua primeira Missa.
No ano seguinte, é nomeado Vigário do Rio Preto, cargo esse exercido com grande devotamento, obtendo, contudo, permissão para retornar a sua cidade natal, por motivo de saúde. Nesse mister permanecera de 21/02/1847 a 29/05/1848.
Continua...
* Abgar Antônio Campos Tirado é natural de São João del-Rei, MG. Com formação na área das Letras e da Música, é professor, palestrante, comentarista cultural, escritor, pianista e compositor, com obras já executadas no exterior. Foi diretor por vários anos do Conservatório Estadual de Música “Padre José Maria Xavier” de São João del-Rei, onde se aposentou. É sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei e membro efetivo da Academia de Letras da mesma cidade, bem como da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. Mais...
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Um comentário:
Excelente artigo a respeito do
músico e compositor sanjoanense
Pe.José Maria Xavier. Meus para-
béns ao autor pela clareza a res-
peito do compositor e de toda a
atmosfera musical,econômica e só-
cio-cultural que permeiam a obra.
Rafael Braga
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